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A explosiva decisão de Evo que embaralha a eleição na Bolívia – Entrevistas – CartaCapital



Principal liderança da esquerda na Bolívia, Evo Morales se apresenta como candidato para a eleição de 17 de agosto. A decisão, que já seria controversa por si só, ganha contornos explosivos diante de dois fatos: a Justiça concluiu que o ex-presidente não pode concorrer e, em outro processo, expediu uma ordem para prendê-lo. A obstinação de Morales, portanto, joga gasolina em um cenário político já inflamável.

O atual presidente é Luis Arce, ex-ministro dos governos Morales que chegou ao cargo em 2020 graças ao apoio de Evo. O poder, contudo, converteu a aliança em hostilidade. Em fevereiro, Evo rompeu com o Movimento ao Socialismo, o MAS, partido que liderou por 26 anos e ao qual Arce permanece filiado.

No fim de março, Morales anunciou a criação de um novo partido, o Evo Pueblo. Como a legenda ainda precisa cumprir etapas burocráticas, Evo pretende disputar o pleito pelo pequeno Frente pela Vitória, uma sigla de aluguel cujo único propósito é viabilizar sua candidatura.

Além das rachaduras na esquerda, a Bolívia ainda não superou o trauma institucional da queda de Morales em 2019. Para seus aliados, tratou-se de um golpe que pavimentou o caminho para a chegada da direitista Jeanine Áñez ao poder.

Relembre:

  • Evo chegou ao poder em 2006, foi reeleito para o período 2010-2015 e depois, por meio de uma revisão constitucional, obteve o terceiro mandato (2015-2020). Conseguiu em 2017, por fim, que a Justiça declarasse a reeleição um direito fundamental e conquistou o quarto mandato (2020-2025), mas foi derrubado em 2019;
  • Em 2023, o Tribunal Constitucional anulou a decisão de 2017, concluiu que a reeleição indefinida “não é um direito humano” e fixou em dois mandatos — contínuos ou não — o tempo máximo para permanecer no poder;
  • Em janeiro de 2025, um juiz determinou a prisão de Evo em um caso de suposto estupro de uma menor de idade durante o seu mandato. Ele nega a acusação;
  • Há meses o ex-presidente está entrincheirado na região do Chapare, no centro boliviano, protegido por cocaleiros e militantes aliados. Não houve cumprimento da ordem de prisão;

O lançamento do Evo Pueblo, no fim de março, ocorreu em Villa Tunari, um município da província de Chapare, no departamento de Cochabamba.

No Chapare, Evo conta com movimentos sociais que funcionam na prática como seguranças. “Não deixam as pessoas entrarem e ameaçam fazer bloqueios nas ruas caso alguém tente prender Evo Morales”, explicou a CartaCapital a especialista em política boliviana Alina Ribeiro, doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo e ⁠pesquisadora no Núcleo de Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDAC-CEBRAP) e no INCT Participa.

Segundo ela, Evo tende a levar até o fim a resolução de ser candidato, mas a reação da Justiça é imprevisível. Enquanto isso, a direita indica que tentará evitar a fragmentação, em busca de ser competitiva na votação de agosto — uma tarefa difícil, uma vez que o MAS está no poder há duas décadas.

Por ora, apresentam-se figuras como Jorge Quiroga — o Tutu Quiroga —, presidente da Bolívia entre 2001 e 2002; Samuel Doria Medina, ex-ministro; e Manfred Reyes, prefeito de Cochabamba. À esquerda, o presidente do Senado, Andrônico Rodríguez, pode desafiar Evo concorrendo pelo MAS.

“A direita está muito alerta, talvez mais alerta do que esteve em muito tempo”, diz Ribeiro. “E todas as pessoas de direita que vão se aventando a possíveis concorrentes estão batendo bastante na tecla da necessidade de unificação. Para eles, se a direita não se une, Evo Morales pode vencer as eleições.”

Leia os destaques da entrevista:

CartaCapital: Como ocorreu o rompimento entre Evo e Arce?

Alina Ribeiro: São duas figuras muito diferentes por vários motivos, mas um dos mais fortes é que Evo é um militante raiz. Ele é cocaleiro e fundou o Movimento ao Socialismo, o MAS. Atuava junto às organizações que criaram o MAS buscando dar aos povos indígenas e camponeses a possibilidade de não só serem representados pela política institucional, mas de ocuparem a política institucional.

A maior diferença começa aí: Evo era um militante muito conhecido na história boliviana, enquanto Arce é um economista que foi ministro da Economia nos governos de Evo Morales. É um professor universitário e não é um homem indígena.

Então, ele ficou famoso por ser o grande dono do plano econômico dos governos de Evo, um plano econômico que gerou diversos resultados positivos para a Bolívia, como diminuição da pobreza e maior distribuição de renda em alguns momentos.

Arce chegou à Presidência porque Evo o apoiou. Então, a popularidade dele, naquele momento, veio pelo respaldo de Evo Morales, que precisava de alguém para colocar em seu lugar, porque no pós-golpe de 2019 não poderia se reeleger.

Arce ganhou as eleições e começamos a enxergar algumas discordâncias em diversos sentidos. Com isso, vemos Evo Morales se voltar contra Luis Arce. Discursivamente no começo, mas depois dando a entender que tomaria medidas no MAS para tornar Arce inelegível nestas eleições de 2025.

E o rompimento já vem de um tempo. Grover Garcia, presidente do MAS desde 2024, e Evo Morales têm falado em criar um novo partido há algum tempo. Eles formalizaram essa proposta no dia 31, mas Morales fala dessa possibilidade há quase um ano.

CC: Qual é a situação política de Evo desde a ordem de prisão?

AR: É interessante pensar que o MAS nasceu com Evo e, ao longo do tempo, sofreu um processo de concentração de poder na figura dele.

A literatura trata o MAS não só como um partido político tradicional, mas como um partido-movimento, porque é formado por organizações indígenas e camponesas.

Morales tem essa acusação de pedofilia, que é muito forte. É uma acusação antiga que foi reativada neste ano. Arce muito provavelmente sabia dessa acusação, mas decidiu apoiar a investigação por questões estratégicas também. Mas boa parte dessas organizações o apoia até hoje.

Há um mandado de prisão contra Evo, mas ele está no Chapare, uma região em Cochabamba, uma região cocaleira. Ele tem ali parte das organizações que acabam atuando como “seguranças”, que não deixam as pessoas entrarem, que ameaçam fazer bloqueios nas ruas caso alguém tente prender Evo Morales.

Ele está em um reduto político muito seguro, tanto que consegue se articular, criar um novo partido, atuar junto às organizações. Quando ele é confrontado com esse assunto da denúncia, tende a ficar mais nervoso, a falar que é um grande absurdo. Uma das deputadas evistas chegou a dar uma desculpa de que nas comunidades indígenas da Bolívia seria normal que homens mais velhos se relacionem com meninas mais novas.

Achei curiosa essa tentativa de justificar. Ela não tentou negar a acusação, tentou justificar o fato, caso ele tenha ocorrido.

Ele tem essa denúncia forte nas costas e tem a resolução do Tribunal Constitucional que decidiu que ele não pode ser candidato em 2025, a partir da leitura de que a Constituição proíbe a reeleição descontínua. Mas ele é uma pessoa muito confiante. Ele realmente, em momento algum, parece recuar ou indicar outra pessoa, muito pelo contrário.

No congresso em que anunciou a legenda Evo Pueblo, ele chega a falar que esse partido é para salvar a Bolívia, trazendo também um pouco de uma memória histórica do que foram os primeiros governos dele.

CC: Criar o Evo Pueblo é uma tentativa de recuperar o que Evo desejaria que fosse o MAS?

AR: Ele criou esse futuro partido, mas em agosto disputará pelo Frente para la Victoria, um partido que já existe, pequeno e sem muita representação parlamentar, mas é com o qual ele conseguiu fazer algum tipo de acordo.

É difícil traçar perspectivas para o que acontecerá com o partido. A cada dia que passa, o cenário muda bastante, então tudo está nebuloso. O MAS não é só MAS, é MAS-IPSP: Movimento ao Socialismo — Instrumento Político para Soberania dos Povos. Ele foi criado pelas organizações como um instrumento político para elas conseguirem acessar cargos, conseguirem estar presentes no processo de elaboração de políticas públicas e mudar a realidade dos povos indígenas e camponeses.

Esse nome “instrumento” nos faz pensar que talvez o MAS, no fim das contas, seja só uma legenda que eles ocuparam durante um tempo e agora olham para outras possibilidades, já que no MAS a ala arcista — ou ala anti-Evo — tem sido mais forte.

O curioso é que existe uma uma centralidade muito forte da figura de Evo Morales nisso de “salvar a Bolívia”. Há outras pessoas próximas a Evo Morales com quem ele foi brigando ao longo do tempo, como Álvaro Garcia Linera, ex-vice-presidente, e Andrónico Rodrigues, presidente do Senado, que é um nome forte, bem querido pelos eleitores do MAS.

Evo, em certos momentos, chegou a dar a entender que Andrónico poderia ser apoiado por ele, mas acabou não o apoiando e decidiu criar o seu próprio partido.

CC: O que é possível esperar da explosiva decisão de Evo de desafiar a Justiça e se lançar candidato?

AR: É bastante explosivo. Não é a primeira vez que Evo desafia instituições políticas na Bolívia. Inclusive, um dos principais momentos que gestaram a queda de Evo foi o plebiscito de 2016, quando ele tentou uma reeleição e a população votou contra. Ainda assim, ele se elegeu em 2019 e aí aconteceu o o golpe de Estado.

As instituições na Bolívia, como o Tribunal Constitucional e o Tribunal Superior Eleitoral, têm algumas decisões dúbias, nas quais não fica tão clara a interpretação que dão à Constituição.

A depender do jogo político, dos interesses que estão em campo e das divisões de poder na política, a interpretação pode variar. Evo tentará a eleição, mas não consigo dizer agora se realmente vão barrar uma uma chapa com ele.

CC: E a direita?

A direita está muito alerta, talvez mais alerta do que esteve em muito tempo. E todas as pessoas de direita que vão aventando como possíveis concorrentes estão batendo na tecla da necessidade de unificação neste momento. Então, para eles, se a direita não se une, Evo Morales pode vencer as eleições.

Existe uma possibilidade de que a Justiça decida por não deixá-lo ser ser candidato, mas não sei se eu afirmaria isso com tanta certeza.

CC: Quais são as principais forças além de Evo?

AR: Realmente são muitos nomes. Temos Tutu Quiroga, Manfred Reyes, Samuel Doria. São nomes ainda fracos, por isso a direita está tão focada em unir forças. Ela sabe que se eles se separarem neste momento, a possibilidade de vencer as eleições é muito baixa.

A direita, para mim, é a parte mais nebulosa, porque realmente são muitos nomes diferentes. Jeanine Áñez, que foi a presidente interina, não se candidatará, muito provavelmente.

Um ponto para o qual ficar alerta é quem o MAS indicará. Dentre as pessoas possíveis, Andrónico Rodríguez é o nome mais forte, porque ele é filho de indígenas e camponeses, representa uma nova classe indígena, que é uma classe mais urbanizada.

É importante lembrar que o MAS é um partido com raízes rurais, mas que foi se urbanizando ao longo do tempo. Então, os filhos das pessoas que criaram o MAS têm outros objetivos hoje, trabalham com outras coisas e têm outras visões. Ainda que sejam de esquerda, têm outras ambições, econômicas, sociais, políticas etc.

CC: E qual a representatividade da extrema-direita na Bolívia?

AR: Sinto que na Bolívia a linha ideológica é um pouco diferente da linha no Brasil. O que eles chamam de extrema-direita lá, enxergaríamos como uma direita não tão extrema aqui.

A Bolívia é um país em que a esquerda é mais radical do que a esquerda no Brasil. Os movimentos sociais, as organizações de base, as organizações indígenas e camponesas falam sobre questões de terra em todos os momentos.

Há o processo de refundação do Estado boliviano, quando ele passa a ser um Estado plurinacional, e a promulgação da nova Constituição, de 2009, que traz perspectivas indígenas e camponesas para o documento mais importante de um Estado-Nação.

São exemplos de como a esquerda na Bolívia tem tons diferentes da esquerda no Brasil e em outros países da América Latina.

Um dos dos momentos importantes para tentar analisar a extrema-direita na Bolívia é o golpe de 2019. Depois de um ano de governo interino de Jeanine Áñez, quando convocadas novas eleições a população votou pelo MAS, que voltou ao poder. O MAS está no poder há 20 anos, com esse ano de de golpe de Estado em que ele foi retirado.

Os possíveis candidatos de direita e de extrema-direita na Bolívia têm de lidar também com esses eleitores e com as organizações, que são uma parte muito significativa da sociedade civil da Bolívia e não estão dispostas a abrir mão de seus direitos conquistados nos últimos anos.

A extrema-direita por lá tem outras outras características, justamente pelo processo dos anos 2000, de inclusão política de sujeitos indígenas e camponeses. A extrema-direita, acredito, não brincará com isso ou tentará processos de desinstitucionalização de direitos.

CC: O golpe de 2019 ainda reverbera na Bolívia?

AR: O golpe ainda está no debate político na Bolívia, mas existe também uma disputa de narrativas. É muito parecido com o Brasil.

O governo de Luis Arce começou essa atuação quando ele ainda não tinha rompido 100% com Evo Morales. Então, prenderam Jeanine Áñez e o [Luís Fernando] Camacho, que era governador de Santa Cruz e foi um dos grandes conspiradores do golpe — mas que agora está em prisão domiciliar, inclusive articulando para apoiar algum partido contra Evo Morales.

Houve esforços para investigar o golpe de 2019, mas existe também uma vontade estratégica do governo Arce, que não sei se hoje é de dar continuidade a essa investigação e fazer justiça. O governo agora está mais preocupado com a própria desaprovação e com a economia da Bolívia, que está em uma situação de crise por causa da queda da produção de gás natural — a principal commodity produzida e exportada —, a falta de combustível e a escassez de dólares.



Por: Carta Capital

Amazonas Repórter

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