Por Jorge Abreu
(Folhapress) – Brasília recebe a 21ª edição do ATL (Acampamento Terra Livre), a maior manifestação indígena da América Latina, a partir desta segunda-feira (7), com programação que vai até a sexta (11). Delegações das cinco regiões do Brasil e de outros países começaram a chegar neste fim de semana no Eixo Cultural Ibero-Americano –antigo Complexo Cultural Funarte, no centro de Brasília.
O tema deste ano prega a “defesa da Constituição e da vida”. Liderado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que é composta de sete organizações regionais de base, o debate deve abordar a tese do marco temporal, a demarcação de terras, a exploração de combustíveis fósseis e os direitos humanos.
A Apib adianta que deve estar também no centro das discussões a Comissão Nacional da Verdade Indígena, criada para apurar crimes praticados durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) que ainda seguem impunes.
Em relação ao marco temporal, os indígenas voltarão a pressionar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a atuação da Câmara de Conciliação. A tese, defendida por ruralistas, considera terras indígenas aquelas ocupadas ou reivindicadas pelos povos até a promulgação da Constituição de 1988.
Em 2023, o Supremo terminou o julgamento acerca do marco temporal e derrubou a tese. Contudo, o Congresso reagiu e aprovou um projeto para instituir a tese dentro da legislação brasileira. Depois disso, o ministro Gilmar Mendes instaurou uma mesa de conciliação para analisar as divergências sobre o tema.
A medida, porém, foi duramente criticada pelo movimento. A Apib, por exemplo, que integrava a mesa inicialmente, decidiu abandoná-la sobre críticas de discriminação e inconstitucionalidade. Os debates seguiram no STF com um novo grupo de representantes vinculados ao governo federal.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, alerta que direitos indígenas fundamentais estão sob ameaça. Segundo ele, a demarcação de territórios deve ser inserida como estratégia de segurança dos povos, que vivem em meio a conflitos fundiários. Tuxá associa à tese do marco temporal casos recentes de violência registrados nas aldeias.
“É preciso demarcar e proteger as terras indígenas”, resume Tuxá. “Nós temos lutado fortemente para que o texto constitucional seja seguido. Para isso, é importante que os direitos indígenas sejam garantidos e implementados, que as instituições sejam respeitadas, e o movimento seja ouvido.”
COP 30 e o movimento indígena
Rumo à COP30, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), o ATL convocou entidades representativas de povos originários de outros países para debater assuntos relacionados ao meio ambiente, como transição energética justa, racismo ambiental e a pressão do governo federal para explorar petróleo na Foz do Amazonas.
A COP30 será realizada em Belém, em novembro. A expectativa das entidades ligadas à pauta indígena é de que haja a maior delegação de povos tradicionais da história da conferência climática. Em campanha, a Apib tem pedido maior a participação de indígenas nas decisões internacionais sobre combate às mudanças climáticas.
COP 30 vai acontecer em Belém, em novembro (Foto: Rodrigo Pinheiro – Ag.Pará)
A iniciativa ganhou mais força com a criação do G9, grupo de coalizão formado por organizações indígenas dos nove países da bacia amazônica (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela). O pacto foi anunciado na COP16, conferência da ONU sobre biodiversidade que ocorreu em Cáli, na Colômbia, em 2024.
Neste ano, o Acampamento Terra Livre espera superar a quantidade de público das edições anteriores, com o engajamento de povos de outros países, entre eles indígenas da Austrália e das ilhas do Pacífico. Em 2024, o evento reuniu cerca de 8.000 participantes.
Iniquilipi Chiari-Lombardo, representante da etnia guna do Panamá, vai participar pela segunda vez do ATL. Ele conta que conheceu a história da manifestação pelas redes sociais e decidiu representar o seu povo, que vive na comarca indígena mais conhecida do país.
O panamenho conta que viaja o mundo para trocar conhecimentos sobre cultura e fortalecimento das lutas dos povos originários pelos direitos territoriais e pela defesa do meio ambiente. Chiari-Lombardo participou na semana passada de um encontro em Oxford, no Reino Unido, sobre a crise climática e o protagonismo indígena.
“Os encontros dos povos fortalecem as lutas que buscam os mesmos objetivos, entre elas defender seus territórios. As nações indígenas estão na linha de frente das questões climáticas e da proteção dos biomas naturais. A luta é de todos nós”, diz.
O ATL vai homenagear ainda os 20 anos de criação da Apib.
Fonte: ICL Notícias