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No site da Junge Alternative (em português Alternativa Jovem) aparece uma mensagem em alemão, em letras garrafais: “Desconfortável. Real. Corajoso. Obrigada por mais uma década de ativismo patriótico”. Abaixo, em letras pequenas, a explicação: “A partir de 31 de março de 2025, a associação independente Junge Alternative Deutschland está sendo dissolvida, por uma decisão tomada durante encontro nacional da AfD em fevereiro de 2025. Uma nova organização juvenil será fundada dentro da AfD”.
Até poucos dias atrás, a JA era organização juvenil ligada à AfD, nascida oficialmente em 2015. Nestes 10 anos de existência, promoveu reuniões em todo o país e trabalhou ativamente durante as campanhas eleitorais do partido – sobretudo com ações voltadas a recrutar a juventude para a extrema direita com temas como a “remigração”. Em março de 2024, a organização tinha cerca de 2500 membros em território alemão.
Em janeiro de 2019, o Gabinete Federal para Proteção da Constituição descreveu a associação como um caso suspeito de extremismo, atestou sua “atitude anti-imigração e particularmente anti-islâmica” e classificou-a como “extremista de direita confirmada” em abril de 2023. Um pedido da JA e da AfD contra esta classificação falhou em fevereiro de 2024 perante o Tribunal Administrativo de Colônia.
Várias células estaduais da organização eram oficialmente monitoradas pelo serviço de inteligência por sua aproximação com o “movimento identitário” (movimento de extrema-direita que se popularizou na Europa pós-II Guerra Mundial afirmando o direito dos europeus a uma cultura e territórios reivindicados como pertencendo exclusivamente a eles, hoje conhecidos por serem uma das caras do neonazismo na Europa), discursos racistas e ideias autoritárias, repressivas e antidemocráticas.
Em 2021, a AfD recomendou que o presidente da JA, Marvin Neumann, fosse expulso do partido por frequentemente publicar tweets racistas como o de que “negros não deveriam ser considerados alemães”.
Mas foi apenas em janeiro de 2025 que a AfD finalmente decidiu, em sua conferência federal que aconteceu pouco antes das eleições federais, separar-se da Junge Alternative e fundar uma nova ala jovem que faça menos barulho e atraia menos atenção negativa da mídia e do governo. A dissolução da organização se tornou oficial no dia 31 de março de 2025.
No momento da dissolução, cinco associações regionais foram classificadas como “extremistas de direita confirmadas” pelo Gabinete de Proteção da Constituição e outras cinco associações regionais e a associação federal foram consideradas casos suspeitos.
A AfD já começou a recrutar novos membros para sua ala jovem. A dissolução da JA, no entanto, não significa um passo para longe do extremismo, como avalia em entrevista à coluna Ulli Jentsch, pesquisador alemão e jornalista do projeto Research Against Global Authoritarianism (Pesquisa contra o autoritarismo global): “A maior parte do pessoal será a mesma. Eles serão mais controlados, mas também terão mais possibilidades dentro do partido”, avalia.
Ulli Jentsch, pesquisador e jornalista no Research Against Global Authoritarianism project
O que era a Junge Alternative? Por quanto tempo ela existiu e quais eram suas atividades e agendas?
A Junge Alternative (JA) era a ala jovem do partido Alternative für Deutschland (AfD). Ela foi formada em novembro de 2015 e o partido decidiu se distanciar em janeiro de 2025. Em março de 2025, a organização juvenil foi dissolvida.
A JA trabalhou em estreita colaboração com a AfD e foi financiada por várias filiais estaduais. Mas também tinha membros que não eram da AfD e, em várias partes, jovens muito radicais se juntaram às suas fileiras: vindos do Movimento Identitário*, ex-membros de grupos neonazistas, integrantes das Burschenschaften (Fraternidades estudantis masculinas que na Alemanha são historicamente parte da elite reacionária de extrema direita).
Eles participavam muito ativamente de campanhas voltadas para jovens durante eleições e realizavam reuniões como fazem as alas jovens dos partidos. Esses jovens expressavam opiniões fortemente racistas, antifeministas e nacionalistas.
Recentemente, a AfD decidiu dissolver a JA. Por quê?
A AfD decidiu formar uma juventude partidária própria que pudesse controlar melhor. Além disso, a JA estava sob vigilância do serviço de inteligência interno da Alemanha (Verfassungsschutz) depois que foi provado no tribunal que o grupo tinha opiniões políticas inconstitucionais. Isso aconteceu principalmente por causa das suas opiniões racistas e suas estreitas conexões com o Movimento Identitário neonazista.
Além disso, eles tinham fortes vínculos com o Der Flügel, ala da extrema direita mais radical da AfD (Em março de 2020, o Departamento Federal de Proteção à Constituição classificou Der Flügel como um “esforço extremista de direita confirmado contra a ordem básica democrática livre”). A vigilância era perigosa para o restante do partido porque colocava a AfD em foco e poderia prejudicá-la também. Esse é o principal motivo pelo qual a AfD quis formar uma juventude partidária mais controlável.
Várias filiais da JA foram dissolvidas pela AfD ao longo dos anos, e a discussão sobre isso se arrastou por muito tempo.
O que significa estar sob vigilância da Verfassungsschutz? O que eles fizeram para que isso acontecesse?
Estar sob vigilância e ser comprovadamente anticonstitucional significa que o serviço secreto poderia usar técnicas de vigilância e operações secretas contra eles.
Eles tinham alguma relação com o movimento identitário? Se você pudesse explicar brevemente o que é esse movimento para o público brasileiro…
Houve muitas conexões pessoais e ideológicas com o IB. O IB foi formado como um movimento não parlamentar de jovens nazistas próximos à chamada Nova Direita, que começou a modernizar a extrema direita em meados dos anos 2010 na Alemanha (antes em outros países europeus). Ele é mais conhecido por sua retórica antimuçulmana e antiislâmica e por suas ações altamente confrontadoras e que provocam a mídia. Por exemplo, eles puseram um navio próprio no mar Mediterrâneo com o slogan “Defender a Europa” para interferir nos navios que estavam salvando refugiados. Alguns de seus principais membros são muito bem instruídos em retórica política e habilidosos nas mídias sociais. O rosto mais conhecido nos países de língua alemã é o austríaco Martin Sellner, que promoveu o termo “Remigração” em público e tem conexões mundiais. Eles são a versão moderna de um movimento neonazista.
A AfD já está formando a nova ala jovem do partido. Você acha que será muito diferente do JA?
Não, a maior parte do pessoal será a mesma. Eles serão mais controlados, mas também terão mais possibilidades dentro do partido. Apenas alguns podem não seguir o caminho da AfD e ficar de fora.
A AfD está crescendo em popularidade na Alemanha. Isso também está acontecendo entre os jovens?
A AfD é cada vez mais popular e particularmente entre os jovens. Em todo o país, a AfD agora consegue mobilizar até um quarto dos eleitores, mais homens do que mulheres, muitas pessoas com mais de 60 anos e menos de 25. Mas também há um certo sentimento antinazista entre os jovens que pode ser mobilizado pela esquerda, que conquistou a maioria dos eleitores jovens nas últimas eleições. Entre os jovens de 18 a 24 anos o partido de esquerda Die Linke ficou com 26% dos votos e a AfD com 21%.
Fonte: ICL Notícias