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Ancestralidade contra o desmonte da educação no Pará



Indígenas de várias etnias assumiram o protagonismo da batalha pelos direitos dos professores em uma ocupação que durou mais de 30 dias na sede da Seduc-PA (João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

18 de abril de 2025

João Paulo Guimarães – Especial para a Cenarium

BELÉM (PA) – A vitória histórica da comunidade indígena, povos tradicionais, professores, jornalistas independentes e da sociedade paraense, que em uma mobilização inédita ocuparam a Secretaria de Educação do Pará (Seduc-PA) por mais de 30 dias, resultou na revogação da Lei n.º 10.820/24 — que retirava direitos do Estatuto do Magistério e desmontava o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei).

Essa história é apenas parte da narrativa sobre o desmonte que a educação paraense vem sofrendo sob a gestão do governador Helder Barbalho (MDB) e do secretário de Educação Rossieli Soares. A lei, aprovada na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), foi revogada. Porém, o Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep) — que substitui professores por computadores, estúdios de gravação e antenas Starlink no interior — continua avançando.

Ocupação indígena recebeu apoio de várias partes do Estado do Pará por meio da chegada de caravanas articuladas pelas comunidades (João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Na votação da Alepa, professores que protestavam foram recebidos com socos, pontapés, tiros, bombas e detenções arbitrárias. Um docente do Some, que preferiu não se identificar, relatou ter fugido de policiais militares que desciam de uma viatura ainda em movimento, empunhando escopetas carregadas com balas de borracha.

Na correria, ele não percebeu o buraco na camisa, causado por um disparo. Levou um tiro de escopeta nas costas e outro de raspão no braço. “Eles iam passar com o carro em cima da gente, e derrubamos um contêiner de lixo. Eles foram obrigados a parar, mas já desceram atirando pelas costas”, contou.

Policiais militares corriam entre os manifestantes com pistolas em punho e balas de verdade, empurrando professores ao chão e arrastando-os para dentro da Assembleia. O historiador e professor Allan Silva também foi agredido, atingido por uma cadeira lançada por um PM. “O policial veio para cima da gente. Eu disse: ‘Calma, policial, espere’. Nesse momento, outro policial jogou a cadeira no meu rosto. Comecei a sangrar”. 

Do outro lado da praça de guerra, a professora Jaqueline Cristine Sosi, 46, técnica em gestão cultural, viu uma granada ser lançada em sua direção. “Na hora, a gente ficou atordoado quando a bomba explodiu. Dá uma sensação de congelamento do tempo”. Ela guardou parte do fragmento do artefato.

Em resposta aos acontecimentos, indígenas de várias etnias vindos de todas as partes do Estado assumiram o protagonismo da batalha, ocupando a Seduc-PA a partir de 14 de janeiro, enfrentando Polícia Militar, Força Tática, cavalaria, assédio e ataques noturnos de homens não identificados.

Os policiais que fiscalizavam a ocupação foram acusados de praticar assédio sexual e terror psicológico durante a noite, espirrando spray de pimenta nos banheiros e proibindo o acesso da imprensa e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.

Policiais foram acusados de promover assédios de cunho sexual e terror psicológico (João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

A ocupação recebeu apoio de várias regiões do Pará, com caravanas articuladas pelas comunidades. A cacica Miriam Tembé, 41, veio da Aldeia I’ixing de Tomé-Açu, junto aos quilombolas da Associação Amarqualta, para apoiar o movimento até a revogação da Lei n.º 10.820. “Essa lei feria o direito de todos os parentes da região, porque trata da educação escolar indígena. Se fere o direito de um, fere de todos”, declarou.

Lideranças indígenas acusaram a Secretaria dos Povos Indígenas do governo estadual de omissão e abandono. A secretária Jacqueline Alves dos Santos, conhecida como Puyr Tembé, que deveria ser a ponte entre o movimento e o governador Helder Barbalho, não cumpriu esse papel.

Nos primeiros dez dias da ocupação, o Ministério dos Povos Indígenas, em reunião com a ministra Sônia Guajajara, alinhou-se ao Governo do Pará ao sugerir a criação de uma nova lei para a educação indígena, abandonando a pauta da revogação da Lei n.º 10.820/24.

Luta contra desinformação

Em suas redes sociais, Sônia Guajajara publicou um vídeo com informações contrárias ao que havia sido discutido com o movimento, adotando a proposta do governo do Estado mesmo após ter sido informada, em reunião com lideranças indígenas, de que as pautas centrais da ocupação eram a revogação da Lei n.º 10.820 e a exoneração do secretário de Educação. A ministra foi desmentida em sua postagem pelas principais lideranças indígenas e por apoiadores do movimento.

Ao chegar à ocupação, Guajajara limitou-se a rebater críticas nas redes sociais. Ela culpou o jornalismo independente por promover desinformação e por “expor” os indígenas acampados. Acompanhada da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), a ministra intermediou uma reunião com o governador Helder Barbalho. Os indígenas foram recebidos sob forte aparato policial — mais de 2 mil agentes de segurança — e impedidos de usar celulares ou registrar a reunião, que terminou sem acordo.

Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Apesar da falta de apoio do governo federal e dos ataques promovidos por Helder Barbalho — que diariamente publicava em suas redes sociais fake news e entrevistas com informações falsas sobre a ocupação —, a opinião pública compreendeu os reais motivos que levaram professores indígenas e não indígenas a ocupar a Secretaria de Educação. A mobilização ganhou apoio nas redes sociais, com doações e manifestações de solidariedade de todo o País.

A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma Ação Civil Pública contra o Estado do Pará, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram, exigindo a remoção de publicações feitas pelo governador Helder Barbalho que disseminavam desinformação sobre a mobilização indígena. Segundo a DPU, as postagens alegavam falsamente que a ocupação indígena havia sido motivada por fake news sobre o fim da educação presencial nas aldeias, quando, na realidade, havia documentos oficiais que indicavam a implementação do ensino mediado por tecnologia.

“O movimento começou a partir de uma desinformação, de que estaríamos acabando com o sistema de educação presencial nas aldeias indígenas, que mudaria para um sistema de educação a distância. Algo que jamais existiu e jamais existirá. Fake News”, afirmou o governador em um vídeo que a DPU pediu que fosse removido.

A Defensoria argumentou que as postagens do governador distorciam a realidade e desqualificavam a luta indígena contra a revogação do Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), o que poderia gerar preconceito e hostilidade contra os manifestantes. A petição ressaltava que os indígenas tinham “o justo receio” de que a extinção da legislação que regulava o Somei fosse um passo para a introdução da educação a distância, especialmente após a Secretaria de Educação confirmar, em documento oficial ao Ministério Público Federal (MPF), que o ensino mediado por tecnologia seria implementado na Terra Indígena Parakanã em 2025. “O discurso do Exmo. Governador é mentiroso e busca criar uma narrativa na qual os indígenas foram enganados para estar lutando por interesses outros”, afirmava a ação.

Além da remoção das publicações, a DPU solicitou que o Estado do Pará e a Meta permitissem que os indígenas publicassem um direito de resposta nas mesmas plataformas, garantindo a correção da narrativa oficial. Também pediu que a Funai adotasse medidas para proteger a honra e a integridade das comunidades indígenas, combatendo a disseminação de informações falsas.

A ação ainda requereu indenização de R$ 10 milhões por dano moral coletivo, a ser revertida para as comunidades indígenas impactadas. A DPU sustentou que a fala do governador não apenas desinformava, mas também deslegitimava uma mobilização legítima, violando direitos fundamentais. “A declaração tentava mostrar que as comunidades indígenas não tinham capacidade de entender as consequências que uma legislação aprovada à ‘toque de caixa’ poderia ocasionar”, afirmou a petição, destacando que o governo tentava manipular a opinião pública contra os manifestantes. A ação foi julgada na Justiça Federal, que analisou o pedido de liminar para a retirada imediata das postagens e a retratação do governo estadual. Leia o documento na íntegra:

Retaliações e assédios  

Um grupo de 14 professores vindos de Conceição do Araguaia, distante 933 km de Belém, para apoiar a ocupação foi removido de suas escolas depois da promessa do procurador do Estado, Ricardo Sefer, de que nada seria feito contra os professores que protestavam no local. Dias depois da reunião com Rossieli Soares, o grupo recebeu e-mails comunicando as remoções de suas escolas e do Some.

A professora Irisleide dos Santos Sirqueira estava na ocupação da Seduc Pará e permaneceu durante os quase 40 dias. Em uma das poucas reuniões em que Rossieli Soares participou com indígenas e professores, a servidora explicou para o secretário que toda aquela articulação da ocupação havia partido de Conceição do Araguaia. Irisleide relata que já esperava a retaliação. “A nossa remoção foi cinco dias após a minha fala na reunião com o Rossieli”, disse.

Leia o documento na íntegra:

O Governo do Pará recuou e revogou a remoção dos 14 professores após forte pressão da categoria e denúncias das remoções como retaliação nas redes sociais. O movimento pela educação no Pará continua e tem obtido grande aprovação e adesão nas redes sociais e por profissionais da educação no resto do País.

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

Capa da Revista Cenarium (Reprodução)
Leia também: ESPECIAL – Denúncias revelam colapso na educação de comunidades tradicionais do Pará
Editado por Eduardo Figueiredo
Revisado por Jesua Maia



Fonte: Agência Cenarium

Amazonas Repórter

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