Por Cleber Lourenço
Até esta semana, a tramitação do projeto de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro parecia travada. Liderado por Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o movimento enfrentava resistências dentro e fora do próprio partido, somadas a críticas públicas e bastidores tensos com lideranças do Centrão. Havia também um receio de que o avanço da proposta desencadeasse uma crise institucional com o Supremo Tribunal Federal. No entanto, a virada de cenário veio com uma mudança estratégica silenciosa e definitiva: Jair Bolsonaro decidiu assumir pessoalmente a articulação.
Entre quarta e quinta-feira, o ex-presidente entrou em campo, conversou com parlamentares e até mesmo com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). A movimentação de Bolsonaro escanteou Sóstenes Cavalcante da linha de frente e deu novo fôlego ao projeto. No fim da tarde de quinta-feira, o requerimento de urgência já havia reunido quase todas as assinaturas necessárias para ir ao plenário.
O articulador do encontro foi o senador Ciro Nogueira (PP), o que acabou estampando ainda mais os fracassos da forma agressiva como a pauta da anistia vinha sendo tratada por Sóstenes.
Até então, o projeto era considerado travado. Deputados temiam associar seus nomes a uma pauta que, além de polêmica, podia gerar desgaste institucional com o Judiciário. O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder da maioria, afirmou que a tentativa da oposição de forçar a tramitação havia gerado constrangimento e desgaste. “Quando Sóstenes propôs publicamente que as pessoas fossem na casa dos deputados, obviamente que é um erro grave”, disse em entrevista. “Eles estão atirando para todo lado porque os líderes não aderiram.”
Para Chinaglia, a estratégia gerou isolamento: “Na medida em que as lideranças não assinaram, eles passaram a procurar os deputados individualmente.” O deputado acredita que a postura da oposição, ao tentar pressionar parlamentares, acabou afastando até os mais simpáticos à pauta.
No início da semana, a percepção entre lideranças era de que o projeto enfrentava resistência generalizada. O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) foi direto: “Mesmo que alcancemos esse número — e digo ‘alcancemos’ porque eu também assinei essa questão da anistia — dificilmente isso será votado no plenário” e completou: “há mais de duas mil propostas de de regime de urgência na frente dessa nossa proposta aí da anistia, não é? Otoni de Paula: Se for por uma questão de prioridade. Bem, todas são prioridades.”
Esse cenário começou a mudar com a chegada de Bolsonaro à articulação. De acordo com fontes do PL e da bancada evangélica, o ex-presidente adotou uma postura mais pragmática. Em vez de discursos acalorados ou táticas de confronto, buscou recompor pontes com os principais líderes da Casa. Um dos nós a serem desatados era justamente a relação com Hugo Motta, alvo de ataques do pastor Silas Malafaia — aliado de Sóstenes. Bolsonaro teria atuado diretamente para acalmar os ânimos e mostrar que, com ele no comando, o tom da articulação mudaria.
Deputados da base relatam que uma das travas que impedia a adesão de muitos era o temor de confronto com o STF. Embora os motivos não tenham sido esclarecidos publicamente, sem detalhar como, parlamentares do centrão ouvidos na Câmara afirmam que houve um “distensionamento” entre os Poderes. Parlamentares que até então se diziam contrários ou indecisos passaram a revisar suas posições, inclusive com aval de lideranças do Centrão.
O novo momento também foi interpretado como parte de uma reorientação política. Segundo parlamentares experientes, a inelegibilidade de Bolsonaro já é tratada como certa nos bastidores. A aposta, portanto, é na preservação de sua base e na mobilização em torno de pautas que ressoem entre os seus eleitores. A anistia se encaixa nesse desenho, por isso há quem afirme que esse movimento possa ser uma negociação para que, na verdade, se discuta a redução das penas. Algo que não interessa o ex-presidente Jair Bolsonaro mas sim aos políticos interessados na sua base eleitoral.
Segundo Otoni “até os próprios deputados de oposição estão conscientes de que houve crime. Não é essa a grande questão toda. Eu também defendo isso: que você precisa separar aqueles que realmente cometeram o crime, aqueles que realmente depredaram o patrimônio público, aqueles que estiveram envolvidos ou patrocinaram, pelo menos, uma tentativa de golpe de Estado, daqueles que serviram apenas como massa de manobra e que estavam lá e, na hora do estourar da boiada, foram juntos.”
O deputado Fred Linhares (Republicanos-DF), questionado se os ataques de Silas Malafaia ao presidente da Câmara, também de seu partido, não geravam constrangimento diante de seu apoio ao projeto, afirmou: “Eu já assinei o pedido de urgência para a votação do projeto da anistia. A minha posição é clara: todo mundo tem que ser responsabilizado, mas com bom senso. Não dá para tratar quem cometeu um ato mais grave da mesma forma que quem teve uma participação menor.”
Do outro lado, mesmo entre parlamentares contrários à anistia, há reconhecimento de que a articulação ganhou força. “Embora, na minha opinião, existam votos para aprovarmos anistia, muitos preferem não abrir seu voto. Não se pronunciar”, afirmou Adriana Ventura (Novo-SP). Segundo ela, esse apoio silencioso visa evitar atritos com setores mais críticos da sociedade.
Fontes da base afirmam que a reviravolta não se trata apenas de números, mas de método. “O Bolsonaro tirou o Sóstenes da jogada e colocou racionalidade na articulação. Foi isso que mudou tudo”, resumiu um interlocutor da bancada evangélica. A percepção, agora, é que a matéria pode avançar sem o tom de enfrentamento que marcou a primeira tentativa.
Nos corredores da Câmara, também se especula que a proposta de anistia sirva como peça de negociação futura. A expectativa, entre deputados próximos ao governo anterior, é que o projeto abra espaço para revisões de pena e acordos mais amplos em torno do tema da segurança jurídica para apoiadores do bolsonarismo.
Na prática, a atuação de Sóstenes expôs os limites da influência bolsonarista no Congresso e revelou fissuras entre discurso e articulação. A condução centralizada e os ataques verbais não apenas falharam em agregar, como provocaram uma blindagem institucional contra a proposta. O saldo, segundo deputados do próprio Centrão, é que o PL da anistia não tem horizonte definido.
O saldo da semana é claro: a atuação de Jair Bolsonaro reconfigurou completamente o cenário da anistia. O que era ruído institucional, agora virou ativo político. E o PL, antes isolado, voltou ao centro das discussões na Câmara dos Deputados.
Fonte: ICL Notícias