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No coração do Cerrado brasileiro, um novo tipo de floresta está crescendo com velocidade impressionante — e não por acaso. Trata-se de extensas plantações de eucalipto, uma árvore de crescimento rápido, que agora se tornou peça central na estratégia da Apple para atingir a meta de neutralidade de carbono até 2030.
As informações são de uma extensa reportagem da MIT Technology Review, que acompanhou de perto os bastidores das iniciativas da Apple e seus parceiros no Brasil. A publicação traz detalhes sobre o chamado Projeto Alpha, os investimentos por trás da nova fronteira florestal e os conflitos ecológicos em jogo.
Projeto Alpha e o fundo de restauração da Apple
- O principal investimento da Apple na região é o Projeto Alpha, gerenciado pelo banco BTG Pactual por meio da Timberland Investment Group.
- Trata-se de uma iniciativa vinculada ao Restore Fund, um fundo de US$ 200 milhões criado pela Apple em parceria com o Goldman Sachs e a Conservation International.
- A proposta é simples: transformar antigas fazendas de gado em florestas plantadas, com uma divisão entre áreas de produção de madeira e zonas de restauração nativa.
- Na prática, o projeto visa atingir uma proporção de 50% entre eucaliptos plantados e vegetação nativa restaurada, excedendo inclusive os limites legais exigidos para a preservação ambiental.
- A promessa é que, além de compensar carbono, essas áreas ajudem a recuperar a biodiversidade local e a reconectar habitats fragmentados.
- No entanto, mesmo com essa proposta híbrida, o uso do eucalipto como vetor de compensação climática divide opiniões entre especialistas e moradores locais.
As críticas dos ecologistas do Cerrado
Ambientalistas e cientistas que estudam o Cerrado alertam para os riscos da expansão do eucalipto em regiões secas e sensíveis. Segundo a ecóloga Natashi Pilon, da Universidade Estadual de Campinas, o bioma Cerrado funciona de forma distinta de florestas tropicais e possui mecanismos ecológicos próprios, como a dependência do fogo e a predominância de raízes profundas. “Sombra não é boa, e queimada faz parte do ciclo natural”, afirmou ela ao MIT Technology Review.
Para esses especialistas, a introdução de monoculturas de árvores exóticas, mesmo que com propósitos ambientais, pode alterar o equilíbrio ecológico, afetar o regime hídrico e dificultar a regeneração natural da vegetação nativa. A própria Apple, embora destaque a rastreabilidade e o controle dos projetos como diferenciais, é vista com desconfiança por aliar-se a um banco que também investe em setores ligados ao desmatamento, como a pecuária e a soja.
Remoção de carbono ou negócio lucrativo?
Do ponto de vista das empresas, o eucalipto atende a múltiplos objetivos: remove carbono da atmosfera, gera créditos comercializáveis e ainda pode ser convertido em papel, celulose ou madeira. A previsibilidade e velocidade de crescimento da árvore a tornam ideal para metas corporativas com prazos definidos, como as que Apple e Microsoft prometeram cumprir até o fim da década.
Críticos, no entanto, questionam se essa abordagem não se trata apenas de uma nova roupagem para velhos interesses. A ONG Verra, responsável por validar projetos de crédito de carbono, chegou a proibir monoculturas não nativas em seus critérios — mas recuou meses depois, permitindo-as desde que em áreas já degradadas.
Enquanto isso, em cidades do Mato Grosso do Sul, onde os projetos avançam rapidamente, moradores relatam escassez de água, aumento de incêndios e dificuldades de convivência com a nova paisagem. Estudos recentes, inclusive, associam a perda de nascentes diretamente à expansão das plantações de eucalipto.
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Entre metas ambientais e impactos locais
Apesar da controvérsia, a Apple segue promovendo seus projetos de carbono como parte essencial de seu compromisso climático. A empresa afirma já ter compensado 700 mil toneladas de CO₂, mas admite que será preciso atingir 9,6 milhões de toneladas por ano até 2030 para alcançar a neutralidade. Plantar árvores, nesse cenário, tornou-se um passo necessário — mas não livre de dilemas.
A pesquisadora Barbara Haya, da Universidade da Califórnia em Berkeley, propõe uma alternativa: em vez de prometer neutralidade com base em cálculos frágeis, empresas como a Apple poderiam simplesmente divulgar quanto estão investindo em restauração ambiental. “Talvez fosse mais transparente dizer: investimos X milhões para ajudar a salvar o Cerrado”, disse.
O debate está longe de terminar. Para alguns, essas florestas artificiais representam progresso ambiental com base científica. Para outros, são apenas uma nova forma de lucro verde, às custas de ecossistemas únicos e já ameaçados.
Fonte: Olhar Digital