Foram precisos dois anos inteiros só para o sistema europeu de lançamento de carga pesada Ariane 6 receber o sinal verde para ser desenvolvido. E depois mais oito anos de construção até seu voo inaugural, ocorrido nesta terça-feira (09/07) – e que devolveu à Europa seu acesso autônomo ao espaço. Pois construir um sistema de lançamento totalmente novo envolve mais do que desenvolver um veículo para transportar satélites ao espaço.
Além dos foguetes, muitas vezes em constelações variadas, são precisos os motores, o combustível – que neste caso é uma nova mistura de oxigênio e hidrogênio líquidos –, uma plataforma de lançamento exclusiva, e uma rede de produção para manufaturar isso tudo. Acrescente-se uma pandemia, e dez anos não são nada.
A seguir uma panorâmica da década de desenvolvimento do Ariane 6.
2014-2016: Propostas e contratos
Tudo começou em 2014, com a proposta da indústria espacial europeia de transformar totalmente o modo como foguetes são projetados, desenvolvidos, produzidos e lançados. Sucessor do Ariane 5, o sistema Ariane 6 seria o principal “animal de carga” do setor, utilizando foguetes europeus para colocar satélites europeus no espaço.
A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) submeteu a proposta a seus 22 Estados-membros, pois a medida exigia aprovação unânime. No meio tempo, contudo, os engenheiros já estavam a todo vapor, projetando o sistema.
“É preciso você estar com os modelos prontos, poder apresentar seu sistema de produção, como pretende fabricar e montar o foguete“, explica a arquiteta espacial alemã Tina Büchner da Costa, que trabalha para a ESA na plataforma de lançamento do Ariane 6, baseada no aeroporto espacial europeu de Kourou, Guiana Francesa. “A gente tinha que demonstrar que podia dobrar o ritmo de lançamento [em comparação com o Ariane 5] e, ao mesmo tempo, reduzir os custos.”
No ano seguinte, os primeiros contratos foram elaborados: a companhia aeroespacial ArianeGroup, sediada na França, fabricaria o foguete, e o também francês Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES) se encarregaria da plataforma.
Em 2016 obtiveram sinal verde. Sob a coordenação francesa, ao todo 13 países europeus participam do projeto, entre os quais também Alemanha, Bélgica, Espanha, Itália, Holanda e Suíça.
2017-2019: Construção em estágios paralelos
Em 2017 o ArianeGroup passou a desenvolver sua cadeia de produção e a fabricar os primeiros elementos da versão Flight Model 1 (FM1) do foguete. Nos dois anos seguintes, foram testados e aprovados quatro motores: primeiro o Vulcain 2.1, que propulsiona o estágio inferior; depois o Vinci para o estágio superior.
Capaz de reignição no espaço, o Vinci permite ao Ariane 6 depositar satélites em diversas localizações, numa só missão. Além desses dois, havia também o potente motor propulsor P120 e uma nova unidade auxiliar de propulsão.
“Cada motor tem várias válvulas e outros componentes que precisam ser testados isoladamente antes de poderem ser integrados no aparelho. O teste do motor completo é um sistema enorme, que exige um banco de ensaio específico.”
Um desses bancos foi construído numa locação da Agência Espacial Alemã em Lampoldshausen, só para testar todo o estágio superior do Ariane 6. Enquanto isso, na Guiana Francesa, o CNES estava cavando um buraco gigantesco onde seria a plataforma de lançamento.
“A coisa toda acontece paralelamente: você começa com os menores produtos e os vai integrando num sistema que se torna cada vez mais complexo“, explica a arquiteta da ESA.
2020-2022: Pandemia e começo da montagem
A pandemia de covid-19 foi um golpe duro também para o projeto Ariane 6, em especial na construção da plataforma de lançamento em Kourou, relata Büchner: “Em poucos dias, o pessoal trabalhando aqui se reduziu de 700 para 50, o fornecimento de materiais ficou mais lento, a logística entrou em colapso, a produção na Europa desacelerou consideravelmente.”
Ainda assim, em 2021 começaram o transporte de partes do foguete da Europa para a Guiana Francesa e os primeiros testes combinados, como o de uma simulação do núcleo central do veículo, dos guindastes para posicioná-lo na plataforma e dos braços criogênicos que o abastecem e refrigeram no lançamento.
E, quase como um extra, construiu-se especialmente um veículo especial para o transporte marítimo dos componentes de lançamento, de modo a tornar o processo mais ecológico: o navio de carga a vela Canopee, que usa um sistema de propulsão híbrido, em parte movido a vento.
2023-2024: Retomada e primeira missão integral
Os trabalhos retomaram impulso em 2023, e o ano todo foi dedicado a “casar a plataforma com o foguete“, conta Büchner da Costa. O teste do estágio principal foi na Guiana Francesa, onde “acionamos o motor principal e testamos o voo completo até a separação inicial do foguete“.