ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x
Por Adele Robichez, Gabriela Carvalho e Kaique Santos – Brasil de Fato
O enfrentamento ao assédio ainda está longe de ser prioridade nas empresas brasileiras. Segundo observações da advogada Michelle Heringer, especialista em prevenção e gerenciamento de assédio e discriminação no trabalho, apenas cerca 20% dos casos chegam a ser denunciados. Ou seja, ela acredita que os números oficiais, que já são alarmantes, não retratam a real dimensão do problema. Heringer foi entrevistada pelo “Brasil de Fato”, nesta sexta-feira (2), Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral no Trabalho.
De acordo com o Mapa do Assédio no Brasil 2024, pesquisa da consultoria KPMG, 30% dos profissionais brasileiros já sofreram algum tipo de assédio no ambiente profissional. Desses, quase metade relatou o assédio moral e psicológico como o mais comum. “Esses números nos causam espanto, mas infelizmente não representam a realidade porque 80% das situações de assédio, seja moral ou sexual, dentro de ambiente de trabalho, iniciativa privada ou órgãos públicos, não são sequer registradas, sequer conhecidas”, revela Heringer.
Michelle Heringer. (Foto: Reprodução)
Para a especialista, é urgente discutir o tema não apenas quando casos extremos vêm à tona ou em datas específicas, mas como uma política contínua. “Estamos resgatando esse senso de prioridade, considerando que muitas pessoas estão em sofrimento físico, emocional, psicológico”, disse. “Precisamos trabalhar num ambiente que seja seguro, saudável, longe de constrangimento, humilhação, exposição, com proteção à honra, à intimidade, à vida privada. Que o trabalho não seja a nossa fonte de adoecimento, mas sim a nossa fonte de identidade, de pertencimento”, completa.
Empresas estão despreparadas e prevenção é prioridade
Nas raras vezes em que a denúncia é feita, a vítima pode enfrentar ainda o despreparo das instituições, pontua Heringer. De acordo com ela, em muitos casos, a vítima acaba sendo revitimizada ao longo desse processo. “A denúncia ainda precisa ser muito bem trabalhada. Em quais setores a denúncia vai passar? As pessoas que vão tratar da denúncia estão realmente capacitadas? Às vezes, a vítima vai se tornando vítima durante o processo de denúncia: tem perseguição, uma piora do cenário, ainda mais problemas dentro da instituição”, critica.
A solução, segundo ela, passa por uma mudança estrutural nas organizações, com a criação de políticas claras e aplicáveis de enfrentamento ao assédio, além de investimento contínuo em capacitação. “Depois que acontece uma situação de assédio, uma situação adoecedora dentro do ambiente de trabalho, as consequências são devastadoras, às vezes se prolongam por longos períodos. Isso não pode acontecer, e só pode ser feito com prevenção: investimento em capacitação, treinamentos, debates e discussões para realmente mudar uma cultura organizacional já estabelecida nesse sentido”, aponta.
Assédio x discriminação
A advogada também chama atenção para a importância de diferenciar os tipos de violência. “Há uma diferença entre ser constrangido e humilhado por uma estratégia de gestão, que é a definição de assédio moral, e ser tratado de maneira diferenciada, com oportunidades diferentes em razão de pertencer a determinado grupo.”
Essa distinção não é apenas conceitual: a discriminação é crime previsto em lei. Já o assédio moral ainda não é tipificado no Código Penal, embora exista um projeto de lei em tramitação no Senado para tentar mudar isso. “A discriminação é um crime é previsto na lei e isso tem um reflexo de punição mais efetivo do que o assédio, que infelizmente ainda não temos tipificado no Código Penal como um crime. O que temos são os danos morais vivenciados em razão do assédio moral”, explica.
Fonte: ICL Notícias