A quarta-feira (9) começou com uma tarifa de 104% dos Estados Unidos sobre produtos da China entrando em vigor.
A taxa era fruto da “tarifa recíproca” anunciada pelo presidente Donald Trump no dia 2 de abril e de uma sobretaxa norte-americana após a retaliação chinesa da última sexta-feira (4).
O dia amanheceu com uma nova resposta da China: uma tarifa de 84% sobre os produtos dos EUA que entram no país.
À tarde, Trump voltou a “dobrar a aposta” elevando a taxa aplicada sobre as importações chinesas a 125%. Em paralelo, para outros países, Trump anunciou o adiamento da aplicação de taxas mais elevadas, colocando sobre seus produtos uma tarifa base de 10%.
Ed Mills, analista da Raymond James, aponta em uma nota a clientes que a mudança é “inacreditável, mas também totalmente previsível”.
Segundo o analista, a decisão de Trump é “um reconhecimento implícito de que a estratégia atual não foi totalmente examinada e é insustentável”.
China X EUA: qual lado está mais fragilizado?
Rodrigo Zeidan, professor de economia da NYU Shanghai e da Fundação Dom Cabral, apontou ao WW que vê, até o momento, um impacto muito maior na economia norte-americana que na chinesa.
Ao ponderar sobre o quanto mais cada lado poderia aguentar nessa escalada, Bruna Allemann, head da mesa Internacional da Nomos, avalia que a China ainda tem mais fôlego para continuar dando braçadas do que os EUA.
“O ponto que Trump precisa perceber é que a China se preparou muito mais tempo para poder continuar essa guerra comercial. Ela é dona dos principais fatores de produção, das principais manufaturas e das principais fábricas. O mundo hoje depende muito da China”, apontou Allemann ao CNN Money.
“O que o mundo depende apenas dos Estados Unidos é da moeda. Ela vai continuar sendo forte, vai continuar sendo porto seguro, mas Trump não entendeu que é um país diferente, em tempos inflacionários, e onde a China consegue aguentar essa guerra comercial por muito mais tempo.”
Já para Carlos Gustavo Poggio, professor de ciência política do Berea College, os norte-americanos possuem duas vantagens. A primeira seria um “desacoplamento estratégico da China”.
“Os Estados Unidos estão cada vez mais orientando cadeias de produção para se tornar menos dependente da China em insumos básicos”, explicou ao WW.
A segunda vantagem seria um amplo arco de aliados conservado historicamente pelo país, porém que, num erro estratégico segundo Poggio, Trump estaria “destruindo”.
Insustentabilidade
Economistas ouvidos pela CNN ressaltaram que o cenário já não é mais sustentável e, inclusive, racional.
Questionado sobre até onde a China e os EUA vão com essa escalada da guerra comercial, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC) para Assuntos Internacionais, afirma que daqui para frente tudo é imprevisível.
“[Trump] colocou a tarifa em 125%, a partir daí ele pode colocar o número que quiser. A coisa já saiu do terreno da racionalidade e está no bullying puro simples. […] Economicamente, os dois estão se fazendo um dano gigantesco, não tem muita noção”, avalia Schwartsman.
O que os economistas ouvidos pela CNN apontam é que a tensão é movida, sobretudo, pela incerteza gerada com a política comercial de Trump.
“O grande problema enfrentado atualmente pelos mercados é a instabilidade, desorganização das políticas e contradição das informações, que têm mantido a incerteza em patamares elevados, semelhantes aos observados em momentos passados de crise”, explica Andressa Durão, economista do ASA.
Schwartsman ressalta como esse momento de imprevisibilidade paralisa os negócios por conta dos riscos que a incerteza implica. Isso, por consequência, tende a “ameaçar colocar todo mundo numa recessão”, pontua.
Ademais, aponta para um dos poucos fatores certos sobre o cenário atual: a tendência é de a inflação ficar pressionada nos EUA.
Impasse
Para Carlos Gustavo Poggio, Trump “piscou primeiro” nessa encruzilhada.
A pausa nas tarifas maiores que 10%, contudo, não é vista como suficiente para reduzir as tensões e incertezas. Alexandre Schwartsman aponta que “a essa altura do campeonato” nenhuma das partes pode baixar a guarda e voltar atrás: “politicamente, o custo é muito alto”.
Colunista do CNN Money e também ex-diretor para Assuntos Internacionais do BC, Tony Volpon concorda que “nenhum dos dois lados quer parecer a ponta fraca”, mas acredita que os últimos desdobramentos geram uma oportunidade de diálogo inicial.
“Trump achou uma maneira de fazer o mercado acionário voltar a subir, […] de dar a volta, mas se colocar como grande estrategista e isolar países que retalharam quando deixou claro que não era para retaliar, que era para negociar. Acho que tem uma abertura nessa postura”, pondera Volpon.
“Tem uma ‘brechinha’ para os dois anunciarem que vão negociar. O mercado está tentando precificar essa saída também. Esse nível de tarifação trava tudo, quase como um embargo”, pontua.
E é nesse momento em que a troca entre os dois países fica insustentável que Roberto Uebel, economista e professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, vê um ponto de inflexão.
“Eu acredito que haverá um ponto de limite em que se tornará insustentável existir o comércio entre os dois países. E acho que quando ambos alcançarem esse ponto de insustentabilidade, aí sim ambas as partes terão que sentar e dialogar, encontrar uma solução que provavelmente vai ser a tentativa de um acordo bilateral entre Estados Unidos e China”, frisa Uebel.
Negociação
Rodrigo Zeidan ressalta que os chineses são “pragmáticos”, de modo que não seria impensável Pequim buscar um acordo, mas que para isso os EUA deveriam apresentar parâmetros mais claros.
“Basta que você coloque os parâmetros para negociação e os chineses vão negociar. Mas sem saber o que está na mesa, o que está em jogo, é impossível negociar. Esse é o grande problema da incerteza atual”, pontuou ao WW.
Mas para isso acontecer, Volpon acredita que o cenário depende de os dois países encontrarem uma maneira de desarmar a situação sem perder capital político.
“A bola agora está com [o presidente da China] Xi [Jinping], que agora pode jogar com tempo”, conclui o ex-diretor do BC.
A conclusão é de que a situação já está insustentável e, se for dado prosseguimento, o mundo tende a pagar caro por essa aposta.
“Nós estamos falando de uma guerra tarifária sem precedentes na história e que certamente vai levar a uma fragmentação do multilateralismo, uma fragmentação da ordem internacional vigente que nós temos e que pode ter como consequência um cenário de recessão global”, pontua Uebel.
“Eu entendo que essa guerra tarifária irá afetar todos os países que fazem parte do sistema internacional, dessa ordem mundial baseada no multilateralismo, porque nós estamos falando de cadeias de valores, estamos falando de uma economia interdependente”, conclui o professor da ESPM.
Poggio compara Trump ao imperador romano Nero, que ficou conhecido como incendiário por supostamente atear fogo em Roma. O professor de ciência política ressalta que a administração republicana tem trabalhado o argumento de que a ordem internacional vigente não favorece os EUA, de modo que a solução seria “colocar fogo” nela.
Abertura comercial reduz impacto de tarifas de Trump no Brasil? Entenda
Fonte: CNN Brasil