GOVERNO FEDERALspot_imgspot_img
24.3 C
Manaus
sábado, abril 26, 2025
GOVERNO FEDERALspot_imgspot_img

Cimi reage a grupo do Senado para legalizar mineração em Terras Indígenas



Grupo de Trabalho foi criado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Reprodução/Força Aérea Brasileira)

25 de abril de 2025

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) recebeu como “péssima notícia” a instalação do Grupo de Trabalho (GT) pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União -AP), para regulamentar a mineração em terras indígenas no Brasil, em ato publicado no Diário do Senado Federal, nessa terça-feira, 22. O grupo será presidido pela senadora Tereza Cristina (PP-MS) e terá 180 dias para elaborar um Projeto de Lei (PL) para regulamentar a matéria, prevista na Constituição Federal.

Para o secretário-executivo do conselho, Luis Ventura, a criação do GT é, também, uma péssima notícia para toda a sociedade, principalmente no ano em que o Brasil será sede da 30ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP30), em novembro, em Belém, capital do Pará.

Está suficientemente demonstrado, que os territórios indígenas, quando são demarcados e quando estão na posse dos povos, são os espaços que conseguem preservar de uma forma mais eficiente o meio ambiente e a biodiversidade. Portanto, abrir os territórios aos interesses da mineração vai no sentido contrário”, afirmou.

Para o secretário-executivo do conselho, Luis Ventura (Reprodução)

Ventura avalia que a mineração nos territórios indígenas contribui para “aumentar a devastação, a degradação e as condições do colapso ambiental que todos passam, e que precisam ser discutidos e viabilizados”. A atividade, além de implicar na contaminação de fontes de água e geração de imensas quantidades de rejeitos, também transformaria todo o ambiente, com a instalação de toda a infraestrutura de suporte à atividade, como barragens, vias de cargas, entre outros.

“A mineração é uma atividade econômica de alto impacto ambiental e de mínimo retorno para as comunidades, em termos de qualidade de vida, de bem-estar e bem-viver. Por outro lado, a perspectiva anunciada pelo presidente do Senado de uma regulamentação da mineração em terras indígenas com objetivo falso da inclusão social dos povos, é uma perspectiva retrógrada já superada pela Constituição federal e pelos instrumentos internacionais de direitos humanos, que garantem aos povos indígenas o usufruto exclusivo dos bens naturais em seus territórios”, ressaltou.

Alcolumbre criou o grupo de trabalho no Senado Federal (Divulgação)

Segundo o dirigente do Cimi, entidade vinculada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da Igreja Católica, os instrumentos internacionais garantem aos indígenas autonomia para definir livremente os próprios projetos de futuro. “É impossível pensar que uma atividade de mineração não vai afetar os direitos fundamentais dos povos indígenas. É inviável imaginar que uma exploração do subsolo dos territórios indígenas não vai afetar, impedir a vida dos povos indígenas aproveitando os bens naturais que eles mesmos contribuíram a conservar e preservar”, destacou.

Ao considerar que a medida segue uma ação sistemática do Congresso Nacional para desconstruir os direitos dos povos indígenas, como já o fez em 2023, aprovando a Lei do Marco Temporal (14.701/2023), Ventura vê a medida como “tentativa de colocar os territórios indígenas dentro da lógica do mercado, dentro da lógica da capitalização dos territórios”.

O dirigente cita nessa lógica o mercado do carbono, as parcerias agrícolas, a abertura à exploração por terceiros, inclusive o debate aberto sobre a indenização pela terra nua para ocupantes não indígenas de territórios indígenas e agora a mineração. “Todas essas estratégias buscam o mesmo objetivo, que é inserir os territórios indígenas dentro da lógica dos interesses econômicos do grande capital”, reiterou.

Cinco senadores da Amazônia

O Grupo de Trabalho será presidido pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), que foi ministra da Agricultura na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e tem forte ligação com o agronegócio brasileiro. Os senadores devem elaborar um Projeto de Lei para regulamentar a pesquisa e a lavra de recursos minerais em Terras Indígenas (TIs). No documento, Alcolumbre lembra que a Constituição de 1988, estabelece que o Congresso Nacional tem competência exclusiva para legislar sobre o tema.

Outros dez senadores compõem o GT, sendo dois do Amazonas, Eduardo Braga (MDB) e Plínio Valério (PSDB), eleitos pelo Estado que concentra a maior população indígena do País. Da Amazônia, integram, ainda, os senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR), Zequinha Marinho (Podemos-PA) e Marcos Rogério (PL-RO).

Senador de Roraima é um dos integrantes do grupo de trabalho (Divulgação)

Os cinco senadores já puderam demonstrar as posições sobre os povos indígenas no Senado. Dos cinco representantes da Amazônia, apenas Braga votou contra a Lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, que define a data da promulgação da Constituição Federal, como limite para requerer a demarcação das terras indígenas. Os demais votaram a favor da legislação, que está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao anunciar a instalação do GT, Alcolumbre disse que pretende oferecer ao País uma proposta equilibrada, tecnicamente fundamentada e livre de contaminações ideológicas, que não legitime “a exploração predatória de nossas riquezas, como já vimos tantas vezes no passado”.

“Também não queremos uma iniciativa que paralise a inclusão social dos povos que vivem nessas terras e que desejam um futuro com melhores condições. Nosso compromisso é com um texto responsável, que concilie desenvolvimento com respeito aos direitos das comunidades tradicionais”, justificou.

O presidente do Senado defendeu que a proposta a ser apresentada pelo GT deve trazer equilíbrio entre desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental. “O desenvolvimento, com sustentabilidade ambiental, é o caminho a ser perseguido. Tenho certeza de que o texto a ser entregue pelo grupo de trabalho não será contaminado por posturas ideológicas excessivas”, reiterou.

O secretário-executivo do Cimi, Luis Ventura, avalia que a composição do GT já traz uma mensagem clara de que não se pretende discutir com a sociedade, consultar os povos e nem ouvir os especialistas para mensurar as consequências dessa atividade. “Não se pretende falar de direitos, o que se pretende é dar espaço aos interesses da indústria da mineração através de parlamentares que estão claramente comprometidos com essa pauta”, afirmou.

Ventura acentua que a presidente do GT, senadora Tereza Cristina, é historicamente conhecida pela atuação parlamentar e de governo “totalmente contrária aos direitos dos povos indígenas”, assim como outros membros do grupo, que já tiveram declarações públicas ou medidas parlamentares defendendo o garimpo nas terras indígenas.

“Eles têm um objetivo muito claro, e vai ser muito difícil que a proposta elaborada por eles considere plenamente, minimamente, os direitos fundamentais, os direitos constitucionais, os direitos originários dos povos indígenas”, concluiu.

Grupo contraria alerta da ONU

A instalação GT pelo presidente do Senado também contraria o alerta feito pelo secretário-geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), António Guterres, ao considerar as múltiplas e devastadoras consequências dessa atividade em territórios indígenas ao redor do mundo. O alerta foi feito, na última segunda-feira, na abertura da 24ª edição do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, o maior evento global do gênero, realizado em Nova Iorque, nos Estados Unidos (EUA).

Evento da Organização das Nações Unidas (ONU/Manuel Elías)

Em sua fala na ONU, publicada pelo portal Climainfo, o secretário-geral António Guterres citou como exemplo dramático das consequências danosas da mineração em terras indígenas, a contaminação por mercúrio decorrente da mineração ilegal que envenena rios como o Tapajós, no Pará, na Amazônia, e que se agravou 625% no Brasil entre 2011 e 2021. Essa realidade foi, inclusive, tema do clamor da líder indígena Alessandra Munduruku, do Pará, durante o Fórum.

O líder da ONU também ressaltou o paradoxo cruel da transição energética, já que os minerais essenciais para as chamadas tecnologias verdes estão justamente em territórios indígenas, o que gera uma nova onda de violações de direitos.

O paradoxo dessa questão, segundo Guterres, é o fato dos povos indígenas sofrerem os impactos das mudanças climáticas, da poluição e da perda de biodiversidade, embora sejam os que menos contribuem para essas crises. Ele enalteceu o conhecimento tradicional indígena como modelo de conservação, considerando que esses povos são apenas 6% da população global, mas protegem 80% da biodiversidade do planeta.

Quatro ações urgentes foram sugeridas na ONU: fortalecer o Fórum Permanente, reconhecer direitos ancestrais, ampliar financiamentos e implementar recomendações sobre mineração sustentável.

Tema é controverso

Em fevereiro deste ano, o ministro do STF Gilmar Mendes chegou a incluir a exploração econômica nas terras indígenas, que abrange também a mineração, em uma minuta de PL para substituir a Lei do Marco Temporal. Após severas críticas, ele retirou essa parte da minuta e prometeu discuti-la em outra ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 86), que tramita no Supremo.

O tema também foi alvo de críticas durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que reuniu cerca de 7 mil indígenas de todo o País, entre os dias 7 e 11 deste mês, em Brasília. Para o grupo que participou do evento, a mineração nos territórios indígenas vai contra o modo de vida adotado pelos povos originários, porque destrói os ecossistemas, contamina as águas e mata os animais de seu sustento.

Em fevereiro de 2020, o governo de Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (191/2020), que previa a regulamentação dos o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição, para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas, instituindo indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. O projeto foi retirado de tramitação, em maio de 2023, pelo Governo Lula.

Senadores que compõem o Grupo de Trabalho:

Tereza Cristina (PP-MS), presidente
Plínio Valério (PSDB-AM)
Eduardo Braga (MDB-AM)
Mecias de Jesus (Republicanos-RR)
Zequinha Marinho (Podemos-PA)
Marcos Rogério (PL-RO)
Rogério Carvalho (PT-SE)
Efraim Filho (União)
Weverton (PDT-MA)
Rodrigo Pacheco (PSD-MG)
Cid Gomes (PSB-CE)

Leia mais: PF apura relação de senador de RR e investigados de desvio de medicamentos ao povo Yanomami



Fonte: Agência Cenarium

Amazonas Repórter

Tudo
spot_imgspot_img
spot_imgspot_img
×

Participe do grupo mais interativo da Cidade de Manaus. Sejam muito bem-vindos(as)

WhatsApp Entrar no Grupo