ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x
Por Adele Robichez, José Eduardo Bernardes e Larissa Bohrer – Brasil de Fato
O frade dominicano e escritor Frei Betto espera que o próximo papa seja um cardeal italiano alinhado à linha progressista do papa Francisco morto na madrugada desta segunda-feira (21). “Na Itália há pelo menos cinco cardeais nomeados por ele que estão em conformidade com o que iniciou, tanto na reforma da Igreja quanto na atuação como chefe de Estado na política internacional”, disse, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato.
Segundo Frei Betto, a sucessão de Francisco será marcada por tensões internas. “Certamente será um conclave atribulado, porque há muita disputa dentro da Igreja. Francisco incomodou muitos setores. É bom lembrar que a maioria dos seus bispos e padres é da safra dos pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI, que duraram 34 anos. A Igreja hoje é um corpo conservador com uma cabeça progressista, que faleceu”, observa.
Apesar de parte da expectativa global recair sobre cardeais africanos, já que é nesse continente que o catolicismo mais cresce, Frei Betto vê pouca chance de um nome da África ou da América Latina. “Os cardeais africanos tendem a ser conservadores e não darão continuidade à linha de Francisco. O último papa já veio do Sul do mundo, e dificilmente isso se repetirá. Poderá ser asiático, inclusive o das Filipinas, mas eu apostaria em um cardeal italiano”, avalia.
Ele cita os nomes de Matteo Zuppi (Bolonha), Giuseppe Betori (Florença), Francesco Montenegro (Sicília), Paolo Lojudice (Montalcino) e Mauro Gambetti (Vaticano) como possíveis sucessores. “Todos esses cardeais têm chance de ser eleitos papa, mas é muito imprevisível o que vai acontecer.”
Já a possibilidade de um papa norte-americano é, para ele, “fora de cogitação”. “Há muitos séculos que os Estados Unidos tentam fazer papa um dos seus cardeais, mas são repelidos pelos demais. São a parte mais rica da Igreja e muito arrogantes. Eu diria que a chance é zero.”
Papa Francisco: ‘Posição a favor dos oprimidos marca a história da humanidade’
Frei Betto esteve com o papa Francisco em duas ocasiões, 2014 e 2023. “Era uma pessoa serena, equilibrada, mas muito decidida. Um homem que, ao escolher o nome Francisco, definiu sua linha pastoral de opção pelos pobres, defesa da natureza e crítica ao capitalismo”, recorda.
Ele aponta o projeto Economia de Francisco e Clara como exemplo desse pensamento. “Era uma busca por uma economia pós-capitalista. Embora não usasse a palavra, quando descrevia o sistema que vivemos, sua crítica era muito contundente e profunda sobre o antagonismo entre capitalismo e direitos humanos.” Segundo ele, Francisco via o capitalismo como um sistema que “não pode ser reformado, humanizado, mas tem que ser superado”.
No cenário internacional, Frei Betto destaca a postura firme do papa diante das guerras e violações de direitos humanos. “Ele tentou criar condições para políticas de paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, mas infelizmente não foi bem acolhido. Denunciou o genocídio do Estado de Israel em relação à população em Gaza. Foi defensor dos direitos do povo palestino, mas também foi repelido pela direita, pelos neoconservadores, por atitudes tão contundentes e evangélicas.”
Legado socioambiental
Para o teólogo, Francisco deixa um legado ambiental e social sem precedentes. “A Laudato Si’ é a primeira encíclica da história da Igreja voltada à preservação da natureza e à denúncia do caráter predatório do capitalismo. Ela deixa claro que o problema não são apenas os fenômenos climáticos, mas a exploração exacerbada dos recursos da terra por um sistema mais interessado em acumulação de riqueza do que nos direitos humanos. A encíclica nos convida a associar a devastação ambiental à pobreza: os pobres são as principais vítimas dessa destruição”, afirma.
Frei Betto acredita que o papa será reconhecido como santo em pouco tempo. “Assim como João Paulo II foi canonizado, embora imerecidamente, Francisco será canonizado. Vai ser reconhecido como alguém dotado de santidade, um exemplo para quem realmente segue o evangelho de Jesus.”
Ele também destaca a postura do pontífice diante de temas historicamente tabus na igreja católica. “Francisco deixou marcas muito fortes na sua opção pelos pobres. Superou preconceitos contra LGBTs, aceitou o batismo de filhos de casais homoafetivos, concedeu bênçãos – embora sem caráter sacramental, o que acho uma besteira. Não era alguém que, como papas anteriores, ficava em cima do muro e fazia o jogo dos opressores. Tomou uma radical posição a favor dos oprimidos, e isso marca a história da humanidade.”
Fonte: ICL Notícias