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Por Cleber Lourenço
A retomada do rito regular das Medidas Provisórias no Congresso Nacional marca o fim de um arranjo institucional que concentrou de forma atípica o poder decisório nas mãos da presidência da Câmara dos Deputados. Sob o comando de Arthur Lira (PP-AL), esse modelo vigorou por mais de quatro anos e foi mantido mesmo após o fim da emergência sanitária. Com a ascensão de Hugo Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara, a instalação de três comissões mistas para apreciação de Medidas Provisórias representa um movimento relevante de reequilíbrio entre as duas Casas Legislativas.
Foram convocadas as comissões mistas para analisar as MPs 1291/2025, que trata da alteração no Fundo Social; 1292/2025, que institui o empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado; e 1293/2025, que trata do reajuste dos soldos dos militares das Forças Armadas. Essas comissões serão instaladas na próxima terça-feira (22).
A decisão foi comunicada por Hugo Motta aos parlamentares e membros do executivo essa semana e interpretada como um retorno ao rito constitucional previsto no artigo 62 da Constituição.
Durante a pandemia de COVID-19, o Congresso suspendeu temporariamente o funcionamento das comissões mistas por razões sanitárias e operacionais. Naquele momento, estabeleceu-se que as MPs seriam analisadas diretamente pelos plenários da Câmara e do Senado, sem passar pela instância colegiada que tradicionalmente discute e negocia os termos das medidas. A excepcionalidade, no entanto, foi estendida por Arthur Lira mesmo após o fim das restrições, consolidando um modelo que favorecia o controle da agenda legislativa por parte da presidência da Câmara.
Na prática, esse arranjo transformou o presidente da Câmara em principal fiador das medidas provisórias, muitas vezes deixando o Senado com pouco espaço para deliberar com autonomia. O modelo também permitiu que Lira atribuísse a parlamentares alinhados ao Centrão a relatoria de propostas de alto impacto político e orçamentário, incluindo pautas como o novo marco fiscal, a ampliação de programas sociais e flexibilizações na legislação trabalhista. A concentração de poder foi alvo de críticas constantes, especialmente por parte de senadores que viam suas atribuições esvaziadas.
Hugo Motta revogou modelo imposto na Câmara por Arthur Lira
Motta rompe com “legado” de Lira
Em 2023, Lira chegou a firmar um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para retomar parcialmente o funcionamento das comissões mistas. O compromisso, porém, foi aplicado de maneira limitada e inconsistente, com várias MPs ainda sendo encaminhadas diretamente aos plenários. A decisão recente de Hugo Motta de reinstalar as comissões indica um rompimento mais definitivo com o legado centralizador do antecessor.
A interpretação de integrantes do governo é que Motta busca reforçar a institucionalidade e equilibrar as relações entre Câmara e Senado. A mudança é também vista como um gesto de abertura ao diálogo com a oposição e com alas do Congresso que vinham pressionando pela retomada do rito formal. Fontes no Congresso avaliam que a nova direção pode impactar também outras pautas de relevância, como a tramitação da reforma administrativa, a regulamentação de despesas obrigatórias e a reestruturação de carreiras do funcionalismo.
Ao retomar o caminho previsto pela Constituição para o trâmite das MPs, Hugo Motta inicia sua gestão promovendo um gesto simbólico e prático de descentralização do poder legislativo. O movimento não apenas esvazia o último bastião da gestão de Arthur Lira, mas também recoloca o Senado em condição de protagonismo no processo decisório das medidas que impactam diretamente o governo e a sociedade.
Fonte: ICL Notícias