A presidente da Comissão Indígena da OAB-RR, Lícia Wapichana; a advogada indígena, Inory Kanamari; e o coordenador jurídico da Apib, Mauricio Terena (Composição: Lucas Oliveira/Cenarium)
19 de abril de 2025
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Celebrado desde 1943, após o então presidente da República, Getúlio Vargas, decretar a Lei nº 5.540/1943, que determina o Dia dos Povos Indígenas no Brasil em 19 de abril, os povos originários celebram a data para reforçar a luta por direitos e a defesa dos já conquistados. Desde 2021, a principal batalha tem sido contra o Marco Temporal.
A tese determina que os povos indígenas só teriam direitos à reivindicação da demarcação de territórios caso estivessem no local desde 1988, ano da promulgação da Constituição Federal. Em 2023, o STF considerou o Marco Temporal inconstitucional. O Congresso, no entanto, aprovou a Lei nº 14.701/2023, que vai na contramão do entendimento do Supremo, dificultando os processos demarcatórios das terras indígenas. A proposta voltou ao STF, onde está em conciliação, ainda sem acordo.
Para a advogada indígena Inory Kanamari, a demora da decisão definitiva é uma falha do funcionamento da Justiça. “O que vivemos é um retrato nítido da omissão deliberada dos poderes da República — Executivo, Legislativo e, em muitos momentos, também do Judiciário — diante dos direitos dos povos indígenas. A verdade é que não há interesse em garantir nossos direitos constitucionais”, declarou.
Kanamari destaca que é perceptível a preservação de interesses econômicos, em especial os da bancada ruralista, que atuam “para desmontar os últimos pilares” que sustentam os territórios indígenas. A demora, segundo ela, representa uma insegurança aos povos originários.
“Essa lentidão, esse arrastar do processo, não é inocente. É parte de uma estratégia de desgaste, uma forma de violência institucional que tenta nos calar aos poucos. Cada dia sem decisão é mais um dia de insegurança, de ataques aos nossos corpos e territórios, de invasões, de ameaças e de dor”, disse.
À CENARIUM, o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Mauricio Terena, apontou a demora do processo como um “jogo sendo jogado”, no qual os indígenas são colocados apenas como figurantes no processo. Ele citou a mesa de conciliação aberta pelo STF para decidir algo que já estava decidido.
“Uma discussão completamente fora dos procedimentos jurídicos legais e que vem se arrastando no tempo como uma tentativa de, cada vez mais, não se cumprir o dever constitucional de garantir os direitos originários indígenas. Criou-se um embrolho jurídico nessa situação porque muito se falou em segurança jurídica. Vemos com muita preocupação esse cenário de não resolução logo da questão do Marco Temporal”, disse.
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A presidente da Comissão Indígena da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional de Roraima (OAB-RR), Lícia Wapichana, afirmou que os principais beneficiados da demora para a conclusão do fim da discussão sobre o Marco Temporal são ruralistas, pessoas ligadas ao agronegócio e quem defende a exploração da natureza sem a responsabilidade social.
“Se você observar quem é que tá defendendo isso [Marco Temporal], geralmente é alguém ligado a ruralistas, ao agronegócio, porque a gente defende a natureza, a preservação do meio ambiente e a não exploração mineral dessa forma que é”, declarou. “Esse pessoal que defende mineração, eles estão interligados com o pessoal do agronegócio, que é quem tem dinheiro mesmo”.
Veja a linha temporal do Marco Temporal no Brasil:
Durante a Assembleia Nacional Constituinte, lideranças indígenas participaram na defesa de seus direitos. A nova Constituição os reconheceu como detentores de direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas, cabendo à União demarcar e proteger essas áreas. Também garantiu o direito à identidade cultural, à organização social e ao uso de línguas e tradições próprias.
Avançou, no Congresso, o Projeto de Lei do Marco Temporal, que limitava o direito à terra apenas aos povos que comprovarem ocupação em 5 de outubro de 1988. A proposta gerou protestos em todo o País e foi criticada por organizações indígenas e órgãos internacionais de direitos humanos.
O STF julgou inconstitucional o Marco Temporal, reafirmando que o direito à terra é originário, independentemente da presença física do povo indígena na data da promulgação da Constituição de 1988. O Supremo destacou que deslocamentos forçados e expulsões históricas não podem servir de base para negar direitos territoriais.
Mesmo após ter sido reconhecido como inconstitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.701/2023, que retomou parte da tese do Marco Temporal. A nova lei foi parcialmente suspensa por decisão liminar do Supremo, reacendendo o embate entre os Poderes.
A mobilização indígena se fortaleceu por meio de movimentos como o Acampamento Terra Livre (ATL), que teve edições recordes de participação em Brasília (DF). O tema da demarcação de terras e o respeito à autodeterminação dos povos indígenas voltaram a ocupar o centro do debate nacional, com novos projetos de lei e decisões judiciais aguardadas. Sete mil indígenas estiveram na edição de 2025.
Indígenas no Brasil
O Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou 8,5 mil localidades onde residem indígenas no País. Essas localidades são lugares permanentes de 15 ou mais moradores indígenas, em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora de Terras Indígenas (TIs).
O censo apontou, ainda, que 6,1 mil (71,55%) indígenas estavam em TIs, enquanto 2,4 mil (28,45%) estavam fora dessas áreas. A Região Norte registrou o maior número de indígenas do País, com 753 mil, equivalente a 44,47% do total.
Editado por Marcela Leiros
Revisado por Gustavo Gilona
Fonte: Agência Cenarium