Por Fiquem Sabendo
Passados 61 anos do golpe militar de 1º de abril de 1964, muitas informações seguem ocultas pelo Comando do Exército. Entre elas, estão informações detalhadas da carreira dos militares envolvidos na morte do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em 1971 nas instalações do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
A história do parlamentar, que teve o mandato cassado durante a ditadura, e de sua viúva, Eunice Paiva, é relatada no livro Ainda estou aqui, escrito por seu filho, Marcelo Rubens Paiva. A obra inspirou o filme homônimo, estrelado por Fernanda Torres, que venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional.
Em busca de mais informações sobre os militares citados no caso, a Fiquem Sabendo (FS) solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), o inteiro teor digitalizado das fichas funcionais de cinco oficiais mencionados no relatório da Comissão Nacional da Verdade: Freddie Perdigão Pereira, Rubem Paim Sampaio (Rubens, na ficha enviada pelo Exército), Raymundo Ronaldo Campos, Jacy Ochsendorf e Jurandyr Ochsendorf.
Comissão da Verdade (Foto: Reprodução)
Segundo a investigação da Comissão da Verdade (o relatório preliminar publicado em 2014 pode ser acessado aqui), os cinco militares teriam se envolvido de diferentes formas no episódio. Freddie Perdigão Pereira e Rubem Paim Sampaio participaram da recepção e do interrogatório de Rubens Paiva no DOI-CODI, mas não foram apontados diretamente como responsáveis por sua morte.
Já Raymundo Ronaldo Campos, Jacy Ochsendorf e Jurandyr Ochsendorf atuaram na tentativa de encobrir o desaparecimento por meio da farsa do resgate, embora também não tenham sido vinculados diretamente à morte no relatório.
A investigação identificou Antônio Fernando Hughes de Carvalho como o agente responsável por torturas. O então major José Antônio Nogueira Belham, à época comandante do DOI, é considerado responsável pela morte e desaparecimento de Rubens Paiva, em razão de seu conhecimento e consentimento das práticas de tortura. A FS também já protocolou pedidos de informação para obter as fichas de Hughes e Belham.
Embora ainda não tenhamos recebido do Exército os documentos completos solicitados, os extratos parciais das fichas funcionais dos cinco militares mencionados no relatório da Comissão Nacional da Verdade que obtivemos já revelam informações importantes sobre suas trajetórias.
Os documentos recebidos estão disponíveis nesta pasta. Entre os dados disponibilizados estão o último posto ocupado, o tempo total de serviço e quando foram para a reserva (a forma de aposentadoria no âmbito militar). Também constam os cursos militares realizados, as promoções recebidas e os cargos ou funções exercidos ao longo da carreira, com registros anteriores e posteriores à morte do ex-deputado Rubens Paiva.
Além disso, os documentos trazem referências elogiosas registradas oficialmente. Ainda que resumidos, esses dados permitem mapear parte do percurso institucional dos envolvidos no episódio e reforçam a importância do acesso às fichas completas, com transparência e integralidade.
Os documentos indicam, por exemplo, que todos os cinco militares foram promovidos tanto antes quanto depois da morte do deputado.
Com exceção de Rubem, todos foram promovidos mais de uma vez, e, posteriormente, anos ou décadas depois, todos passaram para a reserva. À exceção de Jacy Ochsendorf e Rubem Paim Sampaio, os demais receberam também referências elogiosas formais em suas fichas funcionais ao longo da carreira após a morte de Rubens Paiva.
Falta de fichas de militares motivam recursos
Os pedidos de informação protocolados para cada um deles foram fundamentados no interesse público e no direito à memória e à verdade, conforme previsto na própria LAI. Até o momento, no entanto, o Exército respondeu apenas parcialmente, encaminhando extratos resumidos em vez dos documentos originais solicitados, levando a Fiquem Sabendo a recorrer.
“Seguimos recorrendo para que os registros completos sejam disponibilizados, ainda que com eventuais tarjas sobre trechos legalmente protegidos”, explica o diretor de Advocacy, da Fiquem Sabendo, Bruno Schmitt Morassutti. Segundo ele, as fichas originais podem conter informações relevantes sobre a trajetória e conexões institucionais desses militares ao longo da carreira.
Na avaliação de Morassutti, o envio apenas de resumos impede verificar o que foi suprimido, contrariando decisões reiteradas da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo ele, no caso de violações de direitos humanos, o artigo 21, parágrafo único da LAI proíbe expressamente qualquer espécie de restrição de acesso. Além disso, no caso de agentes públicos já falecidos – como é o caso de Rubem, Raymundo e Jurandy – não há incidência da Lei Geral de Proteção de Dados, conforme já reconhecido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Fonte: ICL Notícias