Ministérios Públicos apontaram a ausência de transparência na comunicação do Governo do Pará sobre o comércio de créditos de carbono (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
21 de abril de 2025
Jadson Lima – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Pará (MP-PA) apontou a ausência de transparência na comunicação do Governo do Pará sobre o comércio de créditos de carbono anunciado nos canais oficiais do Estado em setembro de 2024. De acordo com o documento, datado de 11 de abril deste ano, não houve comunicação formal por parte da administração de Helder Barbalho (MDB) aos órgãos de fiscalização e controle para acompanhar a regulamentação do sistema.
O documento, assinado por 20 procuradores da República e promotores de Justiça, traz a informação de que as instituições pediram à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) informações, em dezembro do ano passado, sobre a implementação do Sistema Jurisdicional de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Na época, houve a recomendação para que a pasta adotasse providências para garantir transparência, consulta prévia e medidas ambientais adequadas.
Em setembro do ano passado, um acordo foi anunciado pelo governo de Helder Barbalho como uma venda de quase R$ 1 bilhão em créditos de carbono em um contrato firmado entre a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAPP) e a organização LEAF. Os MPs argumentam que o contrato configura precisamente a venda antecipada vedada pela legislação.
Os integrantes do Ministério Público escreveram na recomendação que, conforme a própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) informou ao MPF, em novembro, o Projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável e Aumento do Estoque de Carbono (Redd+) Jurisdicional no Estado do Pará ainda estava “em fase de construção”.
Segundo a recomendação deste mês, a Agência de Notícias do Pará, um canal oficial do governo estadual, publicou uma nota corretiva em relação à notícia sobre o “acordo inédito e vende quase R$ 1 bilhão de créditos de carbono”. O texto destacou “que não houve a transação dos créditos de carbono, uma vez que o sistema jurisdicional de REDD+ do Estado ainda está em fase de construção. O contrato estabelece que uma vez gerados, os créditos serão transacionados nas condições ali estabelecidas”. Veja:
Outra possível ilegalidade apontada no documento dos MPs é o alto grau de especulação gerado por contratos futuros para os créditos e a potencial corrida para aprovação do sistema. De acordo com as duas instituições, a medida pode “gerar abordagens assediosas e considerável pressão sobre povos indígenas e comunidades tradicionais no interior do Estado do Pará”. Essas abordagens, no entanto, não foram especificadas pelos procuradores.
“Diante desses fatos, algumas comunidades se manifestaram publicamente afirmando que não consideram o programa uma política pública ampliativa de 9 direitos, mas uma forma rentista e colonialista de negociação e privatização de seus territórios, sem a devida consulta e consentimento livre, prévio e informado“, diz um trecho do documento. Veja:
Em novembro de 2024, cerca de 25 organizações indígenas e quilombolas da Amazônia reagiram a uma declaração do governador Helder Barbalho (MDB), na qual ele afirmou que as comunidades dependiam do mercado de carbono para garantir o sustento e dignidade. Eles classificaram a declaração do político como “visão preconceituosa e desinformada sobre a realidade dos povos tradicionais”.
“Os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos do Pará têm um modo de vida que não depende de projetos de mercado de carbono ou de subsídios governamentais para sobreviver. A fala do governador reforça uma visão reducionista e colonialista sobre nossas comunidades, tratando-nos como se fôssemos meros dependentes de políticas de governo, ao invés de reconhecer nossa autonomia”, diz um trecho.
Na época, as lideranças também apontaram que o crédito de carbono, na modalidade REDD+, representa a comercialização da natureza, por meio de um processo financiado por empresas e governos estrangeiros que devem continuar lançando gás carbônico na atmosfera. “Trata-se de comercializar a natureza para garantir a continuidade de lucros”, destacaram.
A recomendação, de 15 páginas, aponta que são os países como Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, República da Coreia e megacorporações que estão definindo o valor da tonelada de carbono de florestas. As instituições pontuam que o contrato firmado prevê que a coalizão pode revender os créditos de carbono para outros compradores corporativos e participantes soberanos.
Conforme os integrantes dos MPs, a modalidade contratual vigente influencia diretamente os efeitos na Bolsa de Valores na regulação do mercado e na corrida empresarial para compra desses ativos. Eles destacam, ainda, que os compradores “historicamente responsáveis pela degradação ambiental e desigualdades sociais no mundo”. Veja trecho:
Além disso, as instituições pontuam que o contrato firmado prevê que a coalizão pode revender os créditos de carbono para outros compradores corporativos e participantes soberanos. “Estão definindo o valor da tonelada de carbono de florestas paraenses, sem levar em conta os custos sociais envolvidos na gestão pública desses territórios, como os efeitos sobre o bem-estar das populações locais e dos ecossistemas “, menciona a recomendação.
A CENARIUM procurou o Governo do Pará, por meio da assessoria de imprensa, para posicionamento sobre os fatos trazidos pelos Ministérios Públicos, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno.
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Editado por Izaías Godinho
Fonte: Agência Cenarium