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Populismo contra a Justiça: o caso Trump-Bolsonaro


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Nos últimos anos, testemunhamos um fenômeno político que desafia as estruturas democráticas em diferentes partes do mundo: a ascensão de líderes populistas que estabelecem uma relação de confronto sistemático com o Poder Judiciário. Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil representam dois casos emblemáticos desse fenômeno, com estratégias surpreendentemente similares, apesar das diferenças culturais e institucionais entre os dois países.
O conflito entre esses líderes e suas respectivas cortes supremas não é fruto do acaso ou mera consequência de decisões judiciais desfavoráveis. Trata-se, na verdade, de uma estratégia deliberada que visa concentrar poder, enfraquecer mecanismos de controle institucional e mobilizar suas bases de apoio através da criação massiva de inimigos. Compreender essa dinâmica é fundamental para proteger as instituições democráticas em tempos de radicalização política.

O populismo e sua relação com as instituições democráticas

O populismo contemporâneo metodizado por Steve Bannon se caracteriza essencialmente como uma estratégia política que divide a sociedade entre dois grupos antagônicos: o “povo verdadeiro” e as “elites corruptas”. Nessa narrativa simplificadora, o líder populista se apresenta como o único representante legítimo da vontade popular, enquanto as instituições estabelecidas são retratadas como obstáculos que impedem a realização dessa vontade.

Dentro desse contexto, o Poder Judiciário se torna um alvo preferencial por diversas razões. Primeiro, porque os juízes não são eleitos diretamente pelo voto popular (especialmente em sistemas como o brasileiro), o que permite questionar sua legitimidade democrática. Segundo, porque as cortes constitucionais têm a função contramajoritária de proteger direitos fundamentais, mesmo contra a vontade da maioria, o que contradiz a lógica populista de que a vontade da maioria deve prevalecer sobre tudo. Terceiro, porque o Judiciário representa um dos principais mecanismos de controle sobre os atos do Executivo, limitando o poder presidencial.

O novo populismo precisa ser entendido mais como uma estratégia de esvaziamento da voz da oposição e uma radicalização de discurso autoritário e segregacionista, e menos como uma política “contra as elites”. Essa definição ajuda a compreender por que tanto Trump quanto Bolsonaro, apesar de pertencerem às elites econômicas e políticas de seus países respectivamente, conseguem se posicionar discursivamente como outsiders lutando contra um sistema corrompido.

O caso de Donald Trump e a Suprema Corte americana

Desde sua campanha presidencial em 2016, Donald Trump estabeleceu uma relação tensa com o Poder Judiciário estadunidense. Quando juízes federais bloquearam seu decreto que restringia a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana nos EUA, Trump não hesitou em atacar pessoalmente os magistrados, questionando sua imparcialidade e chegando a se referir a um deles como “juiz falso”.
Durante seu mandato, Trump intensificou essa estratégia, defendendo publicamente o impeachment de juízes que suspendiam seus decretos presidenciais e utilizando as redes sociais para deslegitimar decisões judiciais desfavoráveis. Paralelamente, adotou uma abordagem mais institucional ao indicar três ministros conservadores para a Suprema Corte (Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett), consolidando uma maioria ideologicamente alinhada que garantiu vitórias em temas como política migratória e direitos reprodutivos.
O argumento central de Trump em seus ataques ao Judiciário era simples e eficaz: diferentemente dos juízes, ele havia sido eleito pelo povo americano e, portanto, representava a verdadeira vontade popular. Esse discurso ignorava propositalmente o papel constitucional da Suprema Corte como guardiã da Constituição e o princípio da separação de poderes, pilar fundamental do sistema institucional de seu país.

A estratégia de Trump produziu resultados mistos. Por um lado, conseguiu mobilizar sua base de apoio contra o que chamava de “Estado profundo” e obteve vitórias importantes com a nova composição da Suprema Corte. Por outro, enfrentou resistência institucional significativa, com juízes federais bloqueando diversas de suas iniciativas e a própria Suprema Corte mantendo sua independência em questões cruciais, como as contestações aos resultados das eleições de 2020.

O caso de Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal

No Brasil, a relação entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu um padrão similar, mas com características próprias do contexto institucional brasileiro. Desde o início de seu mandato em 2019, Bolsonaro adotou uma postura de confronto com a corte suprema, intensificando os ataques à medida que o STF tomava decisões contrárias aos seus interesses.

O governo Bolsonaro utilizou sistematicamente ameaças antidemocráticas como instrumento de barganha política. Em maio de 2019, por exemplo, o então presidente incentivou manifestações populares que pediam o fechamento do STF e do Congresso Nacional, vistos como obstáculos para a implementação de sua agenda. Paralelamente, pressionou o Legislativo a criar a chamada “CPI da Lava Toga”, mirando diretamente os ministros da corte, enquanto o seu filho, senador Flávio, atuou pela não instalação da CPI.

Episódios emblemáticos desse confronto incluem a divulgação de um vídeo em que Bolsonaro comparava o STF a “hienas” e suas frequentes ameaças de não cumprir decisões judiciais. Em diversas ocasiões, o então presidente sugeriu a possibilidade de invocar o artigo 142 da Constituição, baseando-se em uma interpretação bisonha que permitiria uma intervenção militar para “restabelecer a ordem” no país.

A escalada desse conflito atingiu seu ápice em 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, incluindo o edifício do STF, que foi severamente depredado. Esse episódio, que guarda paralelos evidentes com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, resultou em Bolsonaro e alguns de seus aliados se tornarem réus por tentativa de golpe de Estado.

Assim como Trump, Bolsonaro utilizou o argumento de que, como presidente eleito, representava a vontade popular, enquanto os ministros do STF, indicados politicamente, careciam de legitimidade democrática. Esse discurso encontrou eco em uma parcela representativa da população brasileira, contribuindo para a erosão da confiança no Judiciário e nas instituições democráticas como um todo.

Análise comparativa: semelhanças e diferenças

Apesar das diferenças contextuais entre Brasil e Estados Unidos, as estratégias adotadas por Trump e Bolsonaro em seus embates com o Judiciário apresentam padrões surpreendentemente similares. Ambos utilizaram intensamente as redes sociais para atacar diretamente juízes e decisões judiciais, mobilizando suas bases de apoio contra o que chamavam de “ativismo judicial”. Os dois líderes também recorreram a argumentos semelhantes, questionando a legitimidade democrática de magistrados não eleitos e apresentando-se como verdadeiros representantes da vontade popular.

Outro ponto em comum foi o uso consciente e proposital da desinformação. Tanto Trump quanto Bolsonaro se beneficiaram do fenômeno da pós-verdade, no qual “fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. Ambos disseminaram informações falsas ou distorcidas sobre o funcionamento do Judiciário, contribuindo para a erosão da confiança pública nessas instituições.

As diferenças, no entanto, são igualmente significativas e refletem as particularidades institucionais de cada país. Nos Estados Unidos, o sistema federalista e a tradição secular de independência judicial ofereceram maior resistência aos ataques de Trump.

No Brasil, por outro lado, a redemocratização mais recente e a tradição de presidencialismo forte criaram um terreno mais vulnerável aos ataques populistas. O STF brasileiro assumiu um protagonismo político maior do que seu equivalente ianque, em parte devido à necessidade de preencher vazios deixados por outras instituições, o que o tornou mais exposto a críticas sobre suposto ativismo judicial.

Implicações para a democracia

Os confrontos entre líderes populistas e o Poder Judiciário têm implicações profundas para a saúde das democracias contemporâneas. A primeira e mais evidente é o risco para a independência judicial, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito. Quando juízes são sistematicamente atacados por suas decisões, cria-se um ambiente de intimidação que pode comprometer a imparcialidade e autonomia do Judiciário.

A radicalização política, alimentada por esses confrontos, também representa um desafio. A crise contemporânea da democracia brasileira tem dimensões múltiplas – econômica, política, social, cultural – mas os arranjos jurídico-institucionais desempenham papel crucial. Quando a sociedade se divide radicalmente em torno de questões institucionais básicas, o próprio tecido social que sustenta a democracia se fragiliza.

Outro efeito preocupante é a normalização de discursos e práticas antidemocráticas. Quando líderes eleitos democraticamente questionam a legitimidade de instituições fundamentais, como as cortes supremas, abrem-se precedentes perigosos que podem ser explorados no futuro. As ameaças de não cumprimento de decisões judiciais, por exemplo, minam o princípio básico de que ninguém, nem mesmo o presidente, está acima da lei.

A experiência recente de Brasil e Estados Unidos também evidencia a vulnerabilidade dos sistemas democráticos a estratégias populistas. Também já apontado em “Como as democracias morrem”, as democracias contemporâneas raramente morrem pelas mãos de generais em tanques, mas sim por meio de um processo gradual de erosão institucional conduzido por líderes eleitos que utilizam meios aparentemente legais para subverter os mecanismos de controle sobre seu poder.

Diante desses desafios, fortalecer a resiliência institucional torna-se imperativo. Isso inclui reformas jurídicas que protejam a independência do Judiciário e esforços educacionais para promover a compreensão pública sobre o papel das instituições democráticas e a importância da separação de poderes. A mídia independente e a sociedade civil organizada (sindicatos, associações, ONGs, cooperativas, etc) também desempenham função crucial como vigilantes da democracia.

Notas conclusivas

O confronto sistemático de líderes populistas como Trump e Bolsonaro com o Poder Judiciário não é um fenômeno isolado ou acidental, mas parte de uma estratégia deliberada que visa concentrar poder e enfraquecer mecanismos de controle institucional. Ao analisar comparativamente esses dois casos, percebemos padrões comuns que transcendem fronteiras nacionais e revelam vulnerabilidades das democracias contemporâneas.

A experiência recente de Brasil e Estados Unidos nos ensina que as instituições democráticas, por mais sólidas que pareçam, são construções humanas frágeis que dependem de regras formais e de normas não escritas de respeito mútuo e contenção. Quando essas normas são sistematicamente violadas por líderes que priorizam interesses políticos imediatos sobre a saúde institucional de longo prazo, toda a estrutura democrática se fragiliza.

O futuro das democracias diante desses desafios dependerá, em grande medida, da capacidade das sociedades de reconhecer e valorizar o papel fundamental do equilíbrio entre os poderes. O Judiciário independente não é um obstáculo à vontade popular, mas sim uma garantia essencial contra abusos de poder e proteção dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que não fazem parte da maioria política do momento.

Cabe ainda à sociedade civil, à imprensa livre e aos cidadãos comuns a vigilância constante e a defesa ativa das instituições democráticas. Como nos lembra a história, a democracia não desaparece de uma vez — ela é corroída aos poucos. Reconhecer isso é o primeiro passo para salvá-la.



Fonte: ICL Notícias

Amazonas Repórter

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