Jovens Karajá participam do Hetohoky (Tharson Lopes/Governo do Tocantins)
28 de abril de 2025
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Entre os Estados do Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás, uma etnia indígena preserva suas heranças culturais e suas línguas, mantendo-as vivas por meio de cerimônias como o Hetohoky, um rito de passagem para os meninos que se tornam homens. Eles são os Karajá (do tupi, “macaco grande“), se autodenominando também Iny (“Nós”), que vivem às margens do Rio Araguaia.
Historicamente, os Karajá compreendem três subgrupos que compartilham a mesma matriz cultural e linguística: os Karajá, propriamente ditos (Iny mahãdu), os Javaé (Ixãju mahãdu) e os Xambioá (Ixãbiòwa). A língua karajá é a Inyrybe (“A fala dos Iny”), pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê. Juntos, formam o maior povo do Tocantins, com mais de 6 mil indígenas, de acordo com o Governo do Estado.
Segundo a doutora em Geografia Kênia Gonçalves Costa, baseada em Pimentel da Silva Borges, o contato dos Kajará e a visão equivocada da sociedade não-indígena produziram pontos negativos em relação à língua, pois mesmo pertencendo à mesma família linguística, apresentam variações.
“Os Karajá têm fala feminina e masculina, contudo, entre os Javaé não há esta distinção de acordo com o gênero do falante. Para ambos, em algumas aldeias a imposição do português dominou a língua
materna, como, por exemplo, em Xambioá (ou Karajá do Norte), Tocantins, e em Aruanã,
Goiás“, citou a pesquisadora na tese de doutorado “A Ilha do Bananal, o Povo Iny e suas representações cartográficas: dinâmicas geoambientais, territoriais e étnicas“.
Ilha do Bananal
Após longo período de migração, os Iny se fixaram em uma extensa faixa Rio Araguaia, a Ilha do Bananal, medindo cerca de dois milhões de hectares. Considerada a maior ilha fluvial do mundo, é cercada pelos rios Araguaia e Javaés.
No que diz respeito à divisão territorial a Ilha do Bananal, atualmente é uma grande unidade de conservação dividida em Área Indígena e Parque Nacional do Araguaia. A área do parque é de 376.545 mil hectares, habitada tradicionalmente pelo Povo Iny (Karajá e Javaé).
Os Karajá da Ilha, ou “de cima“, também são chamados de ibòò marãdu. Os Javaé vivem às margens do rio de mesmo nome, sendo denominados o “povo do meio“. Os Xambioá, iraru mahãdu, são os Karajá “de baixo” e estão localizados na Terra Xambioá, no município de Santa Fé do Tocantins. Na Ilha do Bananal encontram-se em torno de 24 aldeias.
“Nos deslocamentos, os sertanistas comprovam que é uma ilha fluvial, inicialmente denominada de Ilha de Santana pelo alferes José Pinto da Fonseca. Posteriormente ou devido a uma vegetação muito recorrente, os extensos bananais, consolida-sese o nome de Ilha do Bananal. Contudo, esse território era ocupado pelo Povo Iny (os Karajá, Javaé e Xambioá) como seu lugar mítico, originário, de onde surgiram. Estes habitantes que segundo relatos dos anciões estão nessa região bem antes dos colonizadores chegarem. Este povo denomina essa área como Iny Olona, ou seja, o lugar onde o povo Iny surgiu“, explicou Pimentel da Silva, citado por Kênia Gonçalves Costa.
Cada aldeia estabelece um território específico de pesca, caça e práticas rituais demarcando internamente espaços culturais conhecidos por todo o grupo. A confecção de objetos de cerâmica e madeira, a pintura corporal, a arte plumária e as bonecas Ritxokò são tradicionais da cultura Karajá, assim como as festas e os rituais.
As mais conhecidas e preservadas são: os rituais do Hetohoky (que significa Casa Grande) e Aruanã, a Festa do Mel, o Itxeo (Homenagem aos Mortos) e Maarasi (Festa da Alegria).
Hetohoky
O Hetohoky é considerado um dos ritos de passagem mais importantes para os meninos da etnia Iny Karajá, marcando a transição entre a infância e a vida adulta dos meninos que estão na faixa etária de 10 a 12 anos. Realizada uma vez por ano, a festa é um dos momentos mais simbólicos da vida comunitária, representando a iniciação da fase adulta.
As crianças indígenas são preparadas para o Hetohoky por cerca de um mês. A preparação inclui ida para a floresta, onde, como parte do ritual, os meninos aprendem a caçar, pescar e valorizar os bens da natureza de onde a aldeia tira o sustento para a família.
Ao longo do ritual Hetohoky, os meninos têm o corpo pintado com jenipapo e os cabelos pintados, quando são chamados de jyre ou ariranha. Mas, a iniciação masculina da fase adulta não termina com o Hetohoky.
Encerrada a festa, ficam reclusos durante sete dias na Casa Grande, estrutura de palha levantada durante o ritual. Lá, eles recebem instruções, conhecem os segredos dos homens e aprendem a caçar, sem poderem sair ou receberem visitas de mulheres ou de outras crianças. Os participantes só alcançam a condição de homens após dois anos de diversos rituais.
“Os cantos tradicionais, as pinturas corporais, os movimentos das danças… tudo reflete a força, a espiritualidade e a beleza do nosso povo. É um tempo de renovação, união e aprendizado, onde os mais velhos compartilham seus conhecimentos, e os mais jovens reafirmam seu compromisso com nossas tradições, garantindo que nossa cultura continue viva“, explicaram os indígenas da Aldeia Fontoura, por meio das redes sociais.
Fonte: Agência Cenarium