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Por Cleber Lourenço
O relatório final da Polícia Federal sobre a Petição 11.781, ao qual o ICL Notícias teve acesso, embora siga sob sigilo, traz um retrato detalhado e contundente sobre as falhas institucionais da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) no contexto dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A PF aponta que a SSP/DF não apenas se omitiu, mas tomou decisões deliberadas de restringir informações essenciais à atuação preventiva das forças de segurança pública.
Entre as falhas apontadas, está a violação direta aos princípios da necessidade e da oportunidade previstos na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), que orienta o funcionamento do sistema de inteligência do país. Esses princípios determinam que informações de inteligência devem ser compartilhadas com quem precisa delas para a tomada de decisões estratégicas, sobretudo em cenários de ameaça à ordem institucional. Segundo o relatório, esse protocolo foi ignorado pela cúpula da SSP/DF.
“O princípio da necessidade estabelece que as informações devem ser compartilhadas com aqueles que têm necessidade de conhecê-las para a tomada de decisões estratégicas. Esse princípio foi diretamente descumprido no contexto das manifestações de 08/01, visto que o Relatório de Inteligência nº 06/2023 […] foi restrito internamente e não difundido amplamente para os órgãos que, de fato, necessitavam dessas informações para ações preventivas”, afirma o documento.
Produzido sob a liderança de Marília Ferreira Alencar, então subsecretária de Inteligência da SSP/DF, com apoio da analista Cláudia Souza Fernandes, o Relatório de Inteligência nº 06/2023 não foi encaminhado à Polícia Militar nem às demais instituições envolvidas na segurança dos prédios dos Três Poderes. O texto da PF é incisivo ao afirmar que “a falha em fazê-lo, especialmente em um cenário de alto risco, mostra-se como grave deficiência do serviço de inteligência da SI/SSP/DF em prejuízo à efetividade das ações preventivas.”
Relatório fala de ausência de Torres
Além disso, o relatório aponta que a ausência inesperada do então secretário Anderson Torres, aliado à falta de ações coordenadas e de articulação institucional, contribuiu diretamente para o colapso da resposta do aparato estatal à invasão e depredação dos prédios públicos. “…. as falhas da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) no enfrentamento das manifestações de 08/01/2023 são evidentes, especialmente pela ausência inesperada de seu principal líder […] aliado à falta de ações coordenadas e à difusão restrita de informações cruciais contidas no Relatório de Inteligência nº 06/2023.”
O relatório também revela que parte do conteúdo do celular funcional de Marília foi apagado antes de sua entrega às autoridades, o que dificultou a reconstrução das comunicações internas da SSP/DF nos dias que antecederam os atos golpistas. “Essas mensagens apagadas parecem não se restringir a conteúdos de cunho pessoal, pois verificou-se a ausência de conversas que seriam esperadas, como diálogos com Anderson Gustavo Torres, seu chefe imediato, e com outras pessoas com quem mantinha relações profissionais relevantes para a investigação.”
Anderson Torres (Tom Molina/Reuters)
A Polícia Federal ressalta ainda que Marília, embora tivesse assumido o cargo há poucos dias, era plenamente qualificada para a função. “Possuía vasta experiência e qualificação para o cargo, tendo sido Diretora de Inteligência do Ministério da Justiça […] o que a tornava plenamente capaz de gerenciar com eficácia a coleta e difusão das informações necessárias para a segurança pública.” A experiência anterior de Marília, segundo a PF, reforça a gravidade da sua decisão de manter restritas as informações sensíveis que circulavam na secretaria.
O caso também coloca em evidência a atuação da então secretária Cíntia Queiroz. Embora não tenha sido denunciada pela Procuradoria-Geral da República, o relatório da PF afirma que ela foi omissa ao não coordenar devidamente as forças de segurança e ao não encaminhar o Plano de Ação Integrada (PAI) ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A omissão de Cíntia é apontada como uma das causas da desarticulação entre os diferentes órgãos de segurança atuantes no DF.
A soma dessas falhas deu respaldo à tese de defesa dos sete oficiais da Polícia Militar do DF que respondem a processo por omissão. Todos alegam que a SSP/DF falhou em fornecer as informações necessárias para a adoção de medidas preventivas. A própria PF corrobora esse argumento, ao destacar que “a ausência de articulação e de difusão de dados comprometeu a capacidade de antecipar e enfrentar os atos de violência, revelando um despreparo que não pôde conter a escalada dos eventos ocorridos em 08 de janeiro de 2023.”
A avaliação da PF também indica que havia insumos disponíveis para subsidiar decisões mais contundentes, como alertas da Força Nacional, o painel da ANTT sobre deslocamentos e os informes da ABIN. No entanto, a Subsecretaria de Inteligência da SSP/DF produziu apenas o Relatório 06/2023, considerado de conteúdo limitado e de circulação indevidamente restrita. “Essa limitação comprometeu a coordenação com outras forças de segurança e, inclusive, apresentou falhas na própria circulação interna, uma vez que o Secretário ANDERSON TORRES afirmou não ter tomado conhecimento do documento.”
As conclusões do relatório, agora públicas, ganham peso ainda maior diante do julgamento de Marília Ferreira Alencar no Supremo Tribunal Federal, que ocorre nesta terça-feira (22). Ela é uma das acusadas no núcleo 2 da tentativa de golpe investigada pela PGR e será analisada pela Primeira Turma da Corte, junto a outros cinco denunciados. A sessão, que ocorre no plenário virtual, avalia se Marília será transformada em ré por crimes como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e organização criminosa armada. A denúncia também atinge nomes como o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques e o ex-assessor da Presidência Filipe Martins.
O julgamento reforça o papel central da SSP/DF nas falhas do 8 de janeiro e pode consolidar uma nova etapa nas apurações sobre as responsabilidades institucionais pela omissão e conivência com os atos golpistas de 2023.
Fonte: ICL Notícias