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Por Cleber Lourenço
O Projeto de Lei 1958/2021, que propõe a ampliação e a institucionalização definitiva da política de cotas raciais no serviço público federal, volta à pauta do Senado Federal na quarta-feira (23). A matéria será analisada durante reunião extraordinária da Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto. O texto, que já havia sido aprovado pelo Senado em 2023, sofreu modificações substanciais na Câmara dos Deputados e retorna agora à Casa de origem para reexame do conteúdo alterado.
Entre os pontos mais sensíveis modificados pelos deputados estão a exclusão do artigo 3º, que estabelecia procedimentos de verificação complementar à autodeclaração racial dos candidatos, e a modificação no artigo 12, que previa a revisão da política a cada dez anos e passou a prever o prazo de cinco anos. Segundo o relator da proposta no Senado, senador Humberto Costa (PT-PE), essas alterações comprometem o espírito original da proposta, que visava garantir maior segurança jurídica e efetividade na aplicação das cotas.
Ao ICL Notícias, o senador afirmou que “algumas modificações feitas na Câmara conflitam frontalmente com os objetivos centrais do projeto original”. Segundo ele, haverá esforço para restaurar os dois pontos alterados: “Vamos procurar restabelecer o estipulado no Senado Federal pelo artigo 3°, sobre procedimentos de confirmação complementar à autodeclaração, que foram suprimidos pelos deputados, e a redação do artigo 12, do projeto original, estabelecendo que a revisão da política de cotas deve ocorrer no período de 10 anos, e não nos cinco estipulados pela outra Casa.”
Ainda de acordo com o relator, “é uma reparação histórica que precisa continuar avançando. Não pode haver retrocessos neste tema”.
O texto aprovado na Câmara estabelece reserva de 30% das vagas em concursos públicos federais e processos seletivos simplificados para pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas. A mudança amplia o escopo da Lei nº 12.990/2014, que previa cotas de 20% apenas para pessoas negras. A nova proposta não apenas expande a base de beneficiários, como também se estende a contratações temporárias por tempo determinado, o que abrange parte significativa da mão de obra da administração pública federal.
Apesar do apoio à proposta como um todo, senadores da base governista apontam que a retirada dos dispositivos de verificação e a redução do prazo de revisão representam risco à estabilidade da política afirmativa. A avaliação é de que o intervalo de dez anos favorece uma análise mais abrangente dos impactos da política, enquanto o prazo menor pode gerar instabilidade e pressões externas antes que os resultados sejam devidamente consolidados.
Além disso, entidades do movimento negro e especialistas em políticas públicas também têm demonstrado preocupação com a eliminação dos mecanismos de verificação complementar. Para esses grupos, a autodeclaração isolada, sem nenhum tipo de controle, pode abrir margem para fraudes e descredibilizar o programa de cotas. Diversas organizações já se manifestaram publicamente em favor da reinclusão do artigo 3º no texto final.
Gleisi Hoffmann – Foto: EBC
Para Gleisi, projeto sobre cotas é “estratégico”
No Senado, o projeto tem apoio prioritário da liderança do governo. De acordo com membros da articulação política do Palácio do Planalto, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) incluiu a proposta entre os itens estratégicos da agenda legislativa. A orientação é atuar para garantir o restabelecimento da versão original do Senado, especialmente nos pontos considerados centrais pelo relator.
A expectativa é de que a CDH aprove o parecer de Humberto Costa ainda em abril, e que o texto seja levado em seguida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), última etapa antes de eventual votação no plenário da Casa. Caso os senadores restabeleçam o texto original, a proposta poderá voltar à Câmara para nova deliberação, a depender da tramitação interna. A disputa entre as versões já sinaliza um embate político entre as duas Casas sobre o alcance e o controle das ações afirmativas no país
Fonte: ICL Notícias