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sexta-feira, abril 18, 2025
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Tem muita gente ganhando dinheiro com a Educação, mas não é o professor


Por Valter Mattos da Costa*

É exatamente isso: o setor da Educação movimenta bilhões de reais por ano. E não se trata apenas do setor privado tradicional, como as grandes redes de ensino privado, cujo lucro é expressivo e amplamente conhecido. Também no campo das políticas públicas educacionais, há quem lucre – e muito – sem jamais ter pisado numa sala de aula.

Um caso esclarecedor ocorrido em 2023 expõe bem essa lógica. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, intitulada “Lula abre espaço para grupo de Lemann influenciar decisões de R$ 6,6 bilhões na educação”, assinada por Julia Affonso e Vinícius Valfré, Jorge Paulo Lemann – presidente da fundação que leva seu nome e empresário apontado como um dos responsáveis pelo colapso das Lojas
Americanas – passou a influenciar a gestão de bilhões do Ministério da Educação destinados a escolas públicas.

A MegaEdu, ONG financiada por Lemann e criada em 2022, firmou acordo com o MEC para atuar na área de conectividade escolar. Sua CEO, Cristieni de Castilhos – ex-funcionária da Fundação Lemann – foi nomeada para o conselho gestor do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que administra R$ 2,74 bilhões para projetos de internet em escolas. Esses movimentos ilustram o avanço de instituições privadas sobre decisões estratégicas da educação pública.

O foco, então, recai sobre as organizações da sociedade civil que atuam especificamente na Educação Básica brasileira. Essas fundações, ONGs e institutos empresariais, apesar de privadas, influenciam diretamente as políticas públicas educacionais, decidindo os rumos do ensino básico no país.

Essas entidades privadas, que Gramsci chama de “aparelhos privados de hegemonia”, agem como mediadoras e disseminadoras da ideologia dominante. Sua função, disfarçada sob a aparência de “boas intenções”, é consolidar a hegemonia cultural do capital e de sua classe, mantendo intactas as estruturas sociais que lhes asseguram o poder.

Educação

O problema central também reside em suas lideranças. Os dirigentes dessas organizações – frequentemente agraciados com generosas remunerações – jamais estiveram em uma sala de aula do ensino básico. A realidade dura do chão da escola lhes é completamente desconhecida, e suas decisões frequentemente ignoram as demandas reais dos professores.

Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, por exemplo, é formada em Administração Pública pela Harvard Kennedy School. Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, é advogado formado pela USP. Ou seja, nenhum deles possui qualquer experiência docente no ensino fundamental ou médio.

Claudia Costin, fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), é outro exemplo. Já foi diretora global de Educação do Banco Mundial e secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. Apesar de sua trajetória na gestão educacional, também nunca exerceu a docência no ensino básico. Ainda assim, com frequência, é convocada por emissoras de televisão para comentar assuntos ligados à Educação, oferecendo sugestões óbvias, genéricas e previsíveis sobre a qualidade das aulas, como se falasse com propriedade de quem vive o cotidiano escolar.

A Fundação Santillana, ligada ao poderoso grupo editorial espanhol Santillana, igualmente é gerida por executivos do setor empresarial e editorial. Já a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, apesar de crítica ao Novo Ensino Médio, não foge totalmente desse perfil burocrático e distante da prática escolar.
Na visão de um educador, é grave que organizações sem experiência direta na sala de aula ditem os rumos para a educação nacional. A voz do professor, quem realmente conhece as necessidades da educação básica, raramente é considerada nessas decisões, apesar de ser o profissional diretamente afetado por essas políticas.

Quando a educação básica passa a ser pensada não por professores, mas por atores associados ao capital, há uma evidente distorção de identidade. Diante disso, fica a pergunta inquietante: estaríamos vivendo aquilo que Lyotard chamou, com estranhamento, de “A Condição Pós-Moderna”?

Essas entidades movimentam recursos expressivos oriundos do capital financeiro nacional, representado por bancos e grandes corporações. Itaú Social, Fundação Bradesco e Instituto Unibanco são exemplos claros dessa influência direta e pesada do grande capital nas políticas educacionais brasileiras. Dados disponíveis no Banco Central, na Receita Federal e no Portal da Transparência indicam que volumes monetários significativos fluem dessas instituições financeiras para o chamado terceiro setor, confirmando como o capital utiliza mecanismos legais para financiar aparelhos privados de hegemonia que operam na educação básica.

A origem dos recursos dessas organizações privadas, portanto, ilustra como o capital rentista estende seu domínio, e tentáculos, por meio do financiamento estratégico de setores-chave, como a educação, visando formar indivíduos acríticos, adaptados à reprodução das relações capitalistas de produção.O linguista e filósofo Noam Chomsky, crítico feroz da manipulação ideológica promovida pela educação, afirma claramente que “elites” econômicas frequentemente moldam sistemas educacionais com o objetivo de reproduzir mão de obra conformista, não cidadãos críticos ou capazes de questionar as injustiças sociais.

Slavoj Žižek, filósofo esloveno conhecido por sua crítica aguda à ideologia contemporânea (influenciado por teorias marxistas e psicanalíticas), também denuncia como a ideologia dominante mascara interesses econômicos e políticos sob aparências neutras e benevolentes. O discurso dessas fundações e ONGs encaixa-se perfeitamente nessa análise crítica.

Tão criticada pelo professorado do ensino básico, a reforma do Novo Ensino Médio, fortemente sugestionada por essas entidades, exemplifica claramente essa estratégia. Sob promessa de inovação e modernização, é apresentada como um “elixir” contra a evasão, reduz disciplinas críticas e amplia conteúdos técnicos superficiais (variadas eletivas e projetos de vida retirando tempos de aula de matérias cobradas no ENEM), limitando drasticamente o papel transformador e crítico da escola pública.

Não se trata de rejeitar o diálogo com a sociedade civil, mas de denunciar uma situação preocupante: organizações burocráticas e distantes da prática escolar real decidem sobre educação, enquanto professores permanecem marginalizados, sem voz ativa nas decisões fundamentais que afetam diretamente seu trabalho.

Educação de qualidade, transformadora e socialmente justa exige protagonismo, reconhecimento e valorização daqueles que realmente educam, e não daqueles que financiam ou administram de longe. Caso contrário, a escola brasileira seguirá gerando apenas mão de obra adequada aos interesses dominantes, reproduzindo desigualdades e injustiças sociais.

*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora



Fonte: ICL Notícias

Amazonas Repórter

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