Os indígenas Modesto Yanomami Xamatari Amaroko, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Odorico Xamatari Hayata Yanomami (Composição de Lucas Oliveira/Cenarium)
24 de abril de 2025
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Três indígenas da etnia Yanomami, de territórios localizados no Estado do Amazonas, defenderam dissertações de mestrado do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), nessa quarta-feira, 23, em Manaus. Essa é a primeira vez que indígenas desse povo expõem teses de mestrado na instituição.
Modesto Yanomami Xamatari Amaroko, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Odorico Xamatari Hayata Yanomami são do município de Santa Isabel do Rio Negro (a 631 quilômetros de Manaus), no Alto Rio Negro, e possuem graduação pela Ufam em Licenciatura Indígena – Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável – Yanomami, além de atuarem como professores do ensino básico em dois dos xaponos (casa coletiva Yanomami), localizados no Rio Marauiá.
O ingresso no PPGSCA aconteceu em 2023, por meio de uma turma ofertada fora da sede em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros da capital). Com o apoio da Ufam, articulado à concessão de bolsas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), os mestrandos desenvolveram pesquisas focadas na ancestralidade de seu povo, abordando temas como música, cantorias, rituais xamânicos e ensino da língua materna Yanomami às crianças.
À CENARIUM, eles relataram a felicidade e o orgulho de chegar à fase final do curso. O trio também contou sobre as dificuldades que enfrentaram ao longo de dois anos, tempo de duração do programa, como, por exemplo, o isolamento da comunidade em decorrência da estiagem severa que afetou o Estado em 2023. Com a dificuldade de acesso à internet na comunidade, eles perderam o contato com o polo de São Gabriel da Cachoeira.
Modesto Yanomami Xamatari Amaroko, que tem como dissertação cantorias Yanomami, afirmou que está orgulhoso de concluir o mestrado e que deseja levar a conquista para a comunidade do Balaio, em Santa Isabel do Rio Negro.
“Eu estou muito feliz e estou muito orgulhoso. Não é tão fácil chegar aqui. Vai ser a hora de celebrar, hora que eu vou ficar muito feliz e eu vou voltar para a minha comunidade que está me esperando orgulhosa. Eu sou o primeiro Yanomami que está saindo mestre da comunidade. Agora eu posso ajudar todas as minhas lideranças, meus povos, que estão me esperando. Muito orgulho para mim“, afirmou.
Modesto também destacou as dificuldades que enfrentou ao longo dos estudos, principalmente na logística para assistir às aulas. “Esse processo de mestrado não tem sido fácil para nós. Primeiro que nós estudávamos em São Gabriel da Cachoeira. Foi difícil o recurso, a hospedagem, a comida, a passagem, às vezes ninguém ia por causa da seca também. Nós tivemos dificuldades para participar, para concluir e, assim mesmo, ninguém perdeu uma aula”, disse.
Já Edinho Yanomami Yarimina Xamatari, que tem a dissertação sobre a língua materna Yanomami, também relatou sobre a dificuldade ao longo do curso e a emoção de ser o primeiro indígena Yanomami a chegar a este feito.
“Foi muito difícil para fazer o trabalho, o projeto, a pesquisa, a entrevista, a gravação, foi muito difícil para mim, mas consegui produzir, para enriquecer o meu projeto. Eu sou o primeiro Yanomami que está mestrando. Meu sentimento está caindo aos poucos, um pouco de emoção, um pouco de medo, eu estou assim, firme, por ser a primeira vez que um Yanomami defende a dissertação aqui“, declarou.
Odorico Xamatari Hayata afirmou que tem interesse em fazer doutorado na sede da Ufam em Manaus. Emocionado, o indígena Yanomami relembrou as dificuldades que enfrentou para chegar até a defesa do mestrado.
“Agora é final, reta final do estudo, do mestrado, eu tô feliz, emocionado, é importante ter terminado nosso curso de Sociedade e Cultura na Amazônia aqui, na Universidade Federal do Amazonas. Nesse longo ano, eu fiquei com muita dificuldade por causa de dinheiro, de recurso, mas assim mesmo eu enfrentei e concluí. E o doutorado, se for aqui, em Manaus, eu tenho interesse“, concluiu.
Defesas
Na terça-feira, 22, a Ufam promoveu o encontro “Davi Kopenawa: Palavras de um Xamã Yanomami”, com a presença do xamã e liderança indígena Yanomami Davi Kopenawa, que também participou da banca de avaliação dos mestrandos nessa quarta-feira, 23, para celebrar o momento histórico na universidade.
Na ocasião, a liderança indígena destacou que os povos originários nunca pensaram em chegar onde os indígenas Odorico Xamatari Hayata Yanomami, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Modesto Yanomami Xamatari Amaroko chegaram, em locais de ensino e pesquisa.
“Nós, Yanomami, nós nunca sonhamos, nunca pensamos, quando nós éramos pequenos, em ir à escola e aqui, de Santa Isabel do Rio Negro, de São Gabriel da Cachoeira, os três […], eles sonharam grande alma da floresta, sonharam grande alma da nossa terra-mãe para seguir abrindo espaços para outros Yanomami entrarem. Eu estou muito contente com os meus primos que tiveram coragem“, disse a liderança indígena.
Kopenawa também afirmou que os indígenas devem aprender mais, mas sem esquecer das suas origens. “[Os indígenas] precisam aprender mais, mas não podemos esquecer nossa própria língua Yanomami. Vocês podem aprender mais e voltar para a aldeia, só não pode abandonar nós. O branco já está muito longe, agora é a nossa vez. Vamos correr junto com as nossas lideranças, com os ancestrais, xamãs e o vento vai levar nós para mostrar a nossa força, a nossa sabedoria, a nossa inteligência“, afirmou.
Davi Kopenawa é uma das principais vozes indígenas do País. Xamã, liderança política e presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), ele é reconhecido internacionalmente pela defesa dos direitos indígenas e proteção da floresta amazônica. Coautor das obras “A Queda do Céu” e “O Espírito da Floresta”, também detém o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Orientadores
Para a professora doutora Iraildes Caldas, diretora do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), esse momento é único e muito importante não só para a universidade, como também para o País. “Esse momento é muito singular, que é a defesa de mestrado de indígenas que, nesse caso, são da etnia Yanomami. Essa é uma história inaugural, esse é um momento histórico fundamental para o Brasil, porque, pela primeira vez […] dentro de um ritual acadêmico, que é a defesa de mestrado, temos a cultura Yanomami contada por eles”, declarou.
O coordenador do PPGSCA, Caio Augusto Teixeira Souto, disse à CENARIUM que os indígenas foram afetados pela estiagem de 2023 e ficaram isolados por conta da seca. Foi quando ele e outro professor do curso se deslocaram até a comunidade onde o trio reside, para que eles não perdessem aulas.
“Na seca de 2023, eles perderam o contato com o polo de São Gabriel [da Cachoeira] e, lá onde eles moram, a internet é ruim. Não tem muito contato e a gente conseguiu se comunicar e fomos até lá. Eu e o professor Agenor, formado em Antropologia, nos deslocamos até lá por um mês para implementar essas bolsas, para complementar disciplinas que eles tinham perdido, e foi um aprendizado para a gente também“, disse.
A defesa do mestrado aconteceu na quarta-feira, 23, no auditório Rio Solimões, no IFCHS, no Setor Norte da Ufam, onde os estudantes Odorico, Edinho e Modesto defenderam suas dissertações, com a presença de Davi Kopenawa.
Leia também: ‘Abrindo espaços’, diz Kopenawa sobre mestrandos Yanomami na Ufam
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona
Fonte: Agência Cenarium